sexta-feira, 29 de março de 2013

À perda de um amigo e fortalecimento de outrem



À perda de um amigo e
fortalecimento de outrem


Por José Calvino


Há dois anos, numa de minhas farras com um grupo de poetas, escritores e jornalistas, houve um acontecimento desagradável que me fez ficar sem animação em participar dessas festividades. Achei por bem mostrar aos leitores  as cartas recebidas:
a) “Só um momento assim me faria enviar-te este. Estou desolado pelo inusitado acontecimento. Poderia ter ‘fonado’, não o fiz, preferi escrever-te, uma ação mais concreta, mais material. Nós não merecíamos o acontecido.
Um amigo tão bom, tão correto, tão leal e tão solidário como és; não considerei, foi um momento infeliz da minha vida, um desperdício de valores, uma má ação de minha parte, por fim uma amizade desperdiçada.
Espero que encontres outras amizades mais dignas de tua convivência.
Não penses que atribuo o ocorrido apenas à bebida, não. Minha capacidade de tolerância, de sociabilidade esvaiu-se, tão-só pelo inexorável da velhice, que a cada dia nos torna mais casmurro, mais triste, mais sorumbático.
Portanto quero que saibas: Perdi um bom amigo, mas a vida ainda é muito ampla diante de ti, tens ainda muitos dias pela frente, aproveita-os e não chores o Leite azedo que entornamos.
Adeus.”

b) “ Calvino, como costumo fazer, estou relendo todos os seus romances. No Grande Comandante, reli, com grande júbilo o prefácio por Maria do Carmo, sua filha: ‘ Porém, embora procure alertar ao próprio homem, dos seus próprios problemas, fica a tristeza de não conseguir resolvê-los, já que o ‘próprio homem’ não aceita a realidade e, mais adiante: ... mas também as futuras gerações, saibam que aqui, no Nordeste do Brasil, nasceu um homem, e com ele, uma obra. (M.C.).
Evidente que também o menino da rua (...), seria no porvir também um grande comandante!
Calvino, as aparências às vezes nos traem. Certa vez você sentenciou: ‘...você é um homem feliz! Eu ri; não sabias que dentro daquele invólucro havia uma alma atormentada, tropeçando ínvios caminhos, sem oriente adredemente colimado.
E agora voltando a você. Estive refletindo a seu respeito. Relendo seus livros com mais vagar, refleti nas simples palavras, no vocabulário de trato, meditações profundas, idéias afiadas, ferinas, às vezes de intuições filosóficas, inquirições surrealistas, um querer de quimeras, convicções de futuras realizações. Enfim, um caminho.
Concluindo: você nunca se aproveitou do que fez, não bajulou, não rastejou, sempre imune a conluios e panelinhas, tão comuns nas cenas dos teatros hodiernos exibidos a cansaço.
Enfim a convicção de que em breve seu trabalho virá à luz, isto porque você escreve de maneira muito pessoal, com estilo próprio, fugindo de imitações estéreis.
Cheguei à conclusão de que às vezes um incidente brutal como o acontecido ultimamente entre nós (de triste memória) venha estranhamente mais fortalecer nossa amizade, de minha parte eu me declaro como seu amigo, espero que você não guarde rancor e que a vida continue sem animosidades.”

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