terça-feira, 26 de junho de 2012

A discussão entre os dois rios: Capibaribe e Beberibe

                                             
                                                     imagem  google


A discussão entre os dois rios: Capibaribe e Beberibe 


Por José Calvino 



(1) Ouço aquele rio, 
estou cantando, 
está na memória, 
estou vendo, 
está poluído... 


Era a época em que a Espanha extraía grande quantidade de metais preciosos de suas próprias colônias americanas. O domínio espanhol, que durou até 1640, pouco modificou a vida no Brasil como colônia...

Em 1707, com 60 anos de idade, o espanhol Miguel Rodrigo Carrasqueiro organizou um grupo de pessoas para procurar esmeraldas pelo Brasil a fora. Para organizar essa expedição, que custou mais de 7.000 cruzados, investiu tudo o que tinha: vendeu todo seu gado, objetos valiosos e até mesmo os utensílios domésticos foram vendidos, ficando com sua casa vazia. Miguel Rodrigo alegara que traria preciosas pedras verdes-esmeraldas, pois tinha informações seguras e fácil de encontrá-las.

Meados do século XIX foi época em que o bacalhau era considerado comida de pobre. Azambujanra não gostava quando a sua mãe o mandava comprar duzentas gramas daquele peixe seco. Sr. Filófio propagava ser o melhor, pois o bacalhau era de procedência da Noruega.

- Diga à sua mãe que o da Noruega é mais caro.

Azambujanra não gostava de seu Filófio, até porque o fiado era humilhante e, no final do mês, aquele “pendura” sempre aumentava na conta da caderneta. Dona Corina, sua mãe, tinha vergonha de comprar bacalhau e este era o motivo que a levava a mandar o seu filho. Além do que ela não gostava nada de atravessar o rio Capibaribe numa catraia, da margem do cais da Jaqueira até o bairro da Torre, pois ficava muito tensa, principalmente quando o barqueiro encostava nos rolos de bananeira amarrados no batel. Enquanto catraieiros e bateieiros conversavam, ela pensava: “conversa sem pé nem cabeça!”

Corina sempre fazia suas compras a dinheiro na venda de seu Magalhães. As cestas vinham cheias de um tudo. Ao ver quando Corina voltava das compras, seu Filófio ficava resmungando que a ele era no “prego”, um negócio tão pequeno, ao contrário do que o povo dizia sobre seu concorrente: “Mercearia de seu Magalhães”. Mas é assim mesmo, ganha dinheiro quem tem dinheiro.

Azambujanra, em seu novo emprego, começou a trabalhar como bateieiro no batel na lavagem das areias amíferas... Quando sua mãe Corina descobriu aquele garimpo que até então era desconhecido, já andava desconfiada desde quando Azambujanra recitava em voz alta Catraia do Capibaribe. Mostrava a todo mundo um medalhão rodeado de esmeraldas com o nome inscrito: Miguel Rodrigo Carrasqueiro.

- Achou isso aonde? – perguntava Corina.

- Na Coroa do Passarinho, no Pina, quando trabalhava na draga de alcatruzes...

A abundância de metal nos leitos dos rios e córregos da região, provocou uma grande imigração de pessoas de todos os cantos do Arrayal do Bom Jesus (Casa Amarela). Logo denominaram os povos de Vasco da Gama (foi um navegador e explorador português) e de Nova Descoberta (motivo: muitos ferros velhos soterrados nas proximidades da Estação ferroviária, o chefe da Estação do Arrayal era portador de uma declaração de que os ferros velhos não pertenciam a Great Western, então muitos homens, mulheres e crianças desenterravam pinos, elos, pedaços de trilhos... e eram comprados pelo sogro do chefe, sendo pesados na própria balança da estação, que era colocada na plataforma).

Azambujanra resolveu trocar a medalha por pedras de diamantes com Euclides do Córrego, este no entanto trocou o adereço por diversas cabeças de gado que vinham nos trens da Gretueste. Com milhares de cabeças de gado findou sendo dono da ‘ladeira do boi’ e de todo o Córrego que até hoje chama-se Córrego do Euclides.

Azambujanra nas horas vagas pescava peixes de água doce nos rios Capibaribe e Beberibe. Antigamente, com suas águas limpas e muitos peixes, pescava-se bagre (o esqueleto da cabeça dele é a imagem de um Cristo crucificado), curimã, tainha, carapeba e, as vezes até camarão. Corina preparava que ficava uma delícia! Os rios Beberibe e Capibaribe, se encontram próximos ao final da Rua da Aurora. Dois grandes rios, poluídos e praticamente sem pesca. Recife e Olinda, despejam esgotos no rio e em seus afluentes. Entre eles, os canais da Malária, Vasco da Gama e o Córrego do Euclides. Os rios passam, hoje, sob as pontes Buarque de Macedo e Sete de Setembro, atual Maurício de Nassau, e vão desaguar no oceano Atlântico.

Com novas expedições na limpeza dos rios, com certeza vamos voltar à calma dos Rios limpos e navegáveis.

* Nota do autor: Com o desmembramento feito pela Prefeitura, mudou radicalmente a geografia de Casa Amarela, que hoje corresponde aos bairros: Nova Descoberta, Vasco da Gama, Morro da Conceição, Alto José do Pinho, Poço da Panela (faz fronteira com os bairros de Casa Forte, Casa Amarela, Santana, Iputinga, Cordeiro e Monteiro, além de ser banhado pelo Rio Capibaribe).

(1) Catraia do Capibaribe, do livro “Fiteiro Cultural”, pp. 160-1 – Edição do autor, 2011.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Festival Internacional de Poesia do Recife (2012)





Festival Internacional de Poesia do Recife (2012)

 Por José Calvino 


A Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco construiu a primeira edição do Festival Internacional de Poesia do Recife (Fip), de 07 a 10 de junho desse ano. Foram muitos os diálogos, rodas de poesia entre escritores e poetas estrangeiros e brasileiros, especialmente convidados pelo Governo do Estado!

Houve shows de forró para a “chama” do povão. Foi  excitante ver a jovem platéia,  dançando muito forró ao som da zabumba, triângulo e sanfona, mas o barulho incomodou os palestrantes estrangeiros. Toda a programação foi gratuita. Além das apresentações na Torre Malakoff, o Fip também visitou os mercados públicos da Madalena e da Boa Vista, ainda com muito forró ( tradicionais no Nordeste e acontecem durante todo o mês de junho). Infelizmente, mais uma vez promoveram, com isso, os politiqueiros do nosso País.

Independentemente, ainda com disposição, não poderia deixar de registrar aqui o feriadão que coincidiu com o festival. Como sempre, fiz o que gosto: “ouvir a voz do povo”. Parti, então, com o Fiteiro Cultural, para o Morro da Conceição levando poesia, teatro e livros para o novo público. Devo agradecer aos leitores do Morro, sem os quais não teria força para continuar nesta luta literária que é  o drama do livro ( que corre o risco de desaparecer) e da leitura. Não sou de recitar poesias, mas em virtude da solidariedade  dos leitores menos iletrados, a Rádio Comunitária e Cultural Impacto FM (‘104,1) transmitiu eu declamando Civilidade e Imbecil (Da série “Homens sempre têm Grandes Inimigos Imbecis”):
 

1 – Civilidade: Primeiro é uma consideração/ (eu respeito)/ as massas precisam aprender.// Vamos pra frente/ (eu entendo)/ que se alastra, que será resolvido/
as idéias claras a respeito.// Será ignorância?/ (eu tenho pena)/ calma que silencia.//
Minha arma é a caneta/ minha tranqüilidade permanece/ sem obrigação.../
a uma ação, ou comportamento.// Não é de hoje/ não cabia./ Deveria.


2 – Imbecil: Ébrios, desempregados,/ prostitutas.../ Gente sofrida/ sem ter escolhido/
aquela vida.// Imbecil!// Tua língua ferina/ discriminando-os, por quê?/ Com o tempo ninguém/ te dará atenção.// Imbecil!// Agora diz: Oh, Cristo!/ Onde estás/ que não me vês?/ Ou todos nós, juntos,/ somos vós?

E assim terminou domingo com a proposta de incluir no circuito dos festivais internacionais, como os que acontecem na América Latina e Europa.


- No alto, o autor.

- Embaixo, o autor, com Zé Belo do Morro.

(Fotos do poeta Clóvis Campêlo)


1 – Extraído do livro Fiteiro Cultural, pp. 67-8. Edição 2011.

2 – (Fiteiro Cultural, pp. 44-5. Edição 2011).




quinta-feira, 7 de junho de 2012

"Moscouzinho"





“Moscouzinho”

José  Calvino



O TREM já não corria na linha férrea e as Estações estavam fechadas. Era a greve dos ferroviários.

Cristo Mulato ia pegar o trem das sete  e dez, quando então percebeu que a Estação Central do Recife estava fechada e que muitos ferroviários, misturados com os passageiros, anunciavam a greve. Cristo resolve pegar o ônibus (não para furar a greve) e vai até a cidade do Jaboatão, certificar-se de que realmente aquela greve era legal. No ônibus, os comentários eram diversos:

- Aquilo qui é home!
- Arraia apóia.
- Moscozinho é o QG dos comunistas...
- A nossa sorte dependerá do apoio da igreja, que não tivemos na primeira...
- É isto aí, companheiros, na outra vez de igreja brasileira só teve o padre do catorze RI (14º RI), que apoiou a nossa greve, colocando a bandeira do Brasil na linha do trem...

“Arraia”, ele sabia,  se referia ao então governador de Pernambuco, doutor Miguel Arraes e “moscouzinho” era a cidade de Jaboatão, considerada pelos militares o centro das agitações subversivas, dado o diminutivo da capital da Rússia (ex-URSS). Fora a primeira cidade do Brasil a ter um prefeito comunista.
Na plataforma da Estação de Jaboatão estavam diversos camponeses que se distinguiam pelas vestes e pelo linguajar, mas era observada a influência política de ideologia diferente, principalmente para aquele povo ignorante. A maioria com radinho de pilha ao ouvido. Cristo a tudo isto observava, inclusive a um politiqueiro, que fazia um comício em praça pública:

- Meus companheiros de ideologia e de sofrimento...

Dialogando com Onivlakovitch sobre as greves, este advertiu ao Cristo:

- Não se meta nisso. Lembre-se das palavras de meu pai: “A política é muito complexa, é como religião. Eu, mesmo, deixei até de ser protestante. Lá no quartel perguntaram qual a minha religião e eu disse que era católico. Estou pensando que vai haver uma revolução. Os camponeses, na semana passada, dormiram no quartel. Dizem que foi ordem do governador...

- Irmão, eu estou achando uma verdadeira anarquia. Lá na Estação de Floriano embarcaram no trem um bocado de camponeses, com rádio portátil e enxada no ombro, apontando para o quartel e dizendo: “Estes generais de saia...” No trem, o condutor solicitava: “a passagem, por obséquio.” – eles respondiam: “Que nada, é por conta de Pai Arraia e Julhão (ex-deputado Francisco Julião, líder das ligas camponesas, nos anos 60).

Onivlakovitch aproveita e comenta um assunto sigiloso ao Cristo:

- Esse assunto aqui morre. Lá, mesmo, esses civis têm apoio do Governo e do Comandante Geral coronel Hangho Trench. Ontem mesmo, um civil disse que tirava a minha farda, porque era cabo eleitoral de um deputado desses...

- E o que você fez?
- Dei-lhe uns conselhos e o mandei dizer ao padrinho dele.
- Eu o teria prendido.
- Prender não era bom, porque iria ferir o provérbio popular: “não matei, nem roubei...”
- Acontece porém, irmão, que nem todas as vezes podemos agir com cortesia, sendo às vezes preciso um pouco de energia física.
- Em casos especiais, não é?
- É claro.
- Você, porque não entra na Polícia?
- Estou com vontade. Um soldado, por exemplo, está ganhando mais do que eu, um telegrafista. Aliás, nós lá não sabemos bem o que somos, já que são tantos os apelidos que botaram: “Amostra grátis”, “golinha”, “rola voou”, “lá vai a guia, “G5...”. Cristo Mulato foi então entrecortado por Onivlakovitch, admirado:

- Então está demais a baderna e a corrupção lá na Estrada de Ferro! Por isso que eu segui os conselhos do meu pai. Está vindo gente de lá assentar praça na polícia com medo de ser demitido!

- Estão falando que a gente só não vai ser demitido por causa do presidente João Goulart.
- Rapaz,é tanto cabra safado politiqueiro nesse país, que já estão confundindo Deus com Pátria. Eu não vejo patriotismo, vejo é cada um querendo subir às custas dos outros e o resto é que se dane, se fodam.
- Irmão, eu não sei como você entrou na polícia, o seu pai já foi preso e se ele fosse vivo eu acho que ele não queria...- foi entrecortado placidamente por Onivlakovitch:
- O homem tem o seu livre arbítrio. Papai foi preso, mas a culpa de sua prisão não foi da polícia, foi da gretueste e dos seus falsos amigos.

Na manhã do dia 31 de março, do ano de 1964, as emissoras de rádio transmitiam a todos os trabalhadores que entrassem em greve geral. No outro dia, 1º de abril, às treze horas mais ou menos, o Governo era deposto pelas tropas do Exército. Houveram diversas prisões em “moscouzinho”. Após uma semana, um oficial do Exército perguntou ao Cristo Mulato qual era o lado dele e a resposta foi imediata:

- Brasil!

O referido oficial achou a resposta muito irônica e resolveu prender o Cristo, enquadrando-o como “subversivo” e anticristão.
No quartel do 14º Regimento de Infantaria, em Socorro-Jaboatão, Cristo foi submetido a interrogatório:

- Você vive pichando muro lá em “moscouzinho”, não é?
- Não senhor. Deus me livre!
- Você não acredita em Deus e diz: “Deus me livre?” Olhe, moleque safado, nós já sabemos que você garatujava os muros lá em Casa Amarela, criticando o nosso Senhor Jesus Cristo. É mentira, hein?
- Senhor, eu gostava de desenhar, era uma criança, mas agora que não faço mais isso.
- Você colocou uma placa da propaganda política em sua casa. É mentira, hein?
- Não, apenas a casa pertence à Rede Ferroviária, e o superintendente era candidato, junto ao chefe de Relações Públicas, a cargos eletivos. Pediram e eu tive que obedecer, para não sofrer perseguições...
- Continua... fale mais, seu porra!
- Me respeite.
- Respeitar o quê? Dá umas piabadas nesse moleque.
- Não façam isso comigo, pelo amor de Deus!

A salvação do Cristo foi um oficial superior que chegou na hora, e ordenou:

- Ninguém bate!, o que fez esse moreno?
- Ele é comunista, vivia no grupo dos pichadores em muros e fazendo política na Rede.

O imparcial militar deu a ordem:

- Solta o moreno. – e virando-se para o Cristo – Veja lá, você não apanhou, não se meta mais nisso. Na próxima, já sabe como é, ahn?
- Muito obrigado, eu nunca me  meti em política. Muito obrigado...

Cristo saiu pensando: “Será que foi por eu haver falado lá na Estação que estava em dúvida quanto à existência de Deus? Ave Maria! Meu Pai do Céu, será que o portuga estava certo?: “Puta que o pariu, nego safado!” Ele dizia... – e continuava a pensar: “ Faça com que tudo dê certo, eu sou patriota. É a vida, Jesus nasceu pobre, não caiu do céu, cresceu, viveu no meio do povão, alguns seguiram-no, a maioria foram covardes e levaram-no a ser crucificado. Ele dizia ser o filho de Deus, quem sabe? Mentir é necessário, quem é que não mente? A humanidade mente porque mentir é realmente humano. Em relação à mentira, Abraão Lincoln disse: ‘ É possível enganar parte do povo, todo tempo. É possível enganar parte do tempo todo povo, jamais enganará todo povo, todo tempo.’”

Onivlakovitch era cabo da Polícia, não exerceu a profissão de telegrafista porque o quadro era restrito, achava melhor nas fileiras. As promoções eram rápidas. Lembrou ao Cristo o acontecido no dia da revolução de 64, a morte do ex-soldado “Barruada”, que foi abatido junto ao edifício JK, no Centro do Recife, durante manifestação contra a deposição do governador Miguel Arraes. No protesto, um grupo cantava o Hino Nacional e carregava bandeiras do Brasil. Os soldados teriam atirado quando jogaram pedras contra as tropas revolucionárias, sendo respondidos a balas, resultando em dois mortos e um ferido.

Cristo  lembra do ex-soldado da Polícia do Exército (PE) “Barruada”: “No Exército, ele fazia o símbolo nazista nos tamancos, tinha idéias nazistas. Foi dar viva ao nazismo... era um idiota, pois eu passei por vexame no 14 RI e não sofri porque realmente não tenho experiência por nenhum partido. Sou adepto ao nacionalismo, como patriota, e digo, sinceramente, que gente ruim tem em todos os setores, seja na vida militar, seja na vida civil, como também  existem pessoas compreensivas, como foi o caso do Oficial que não deixou que me espancassem.”   

“Barruada” era muito jovem. Em 64, pelos cálculos,  tinha uns vinte e dois anos. Era um meninão, um adolescente... também a PE (Polícia do Exército), parecia com a Gestapo alemã...

- Irmão, o silêncio é importante, mas a verdade tem que ser dita. Aquilo tudo eu não acho que foi revolução não, acho sim que foi um golpe militar... – foi entrecortado por Onivlakovitch:

- Eu disse revolução, mas, mais das vezes eu digo que foi o “golpe de 64”!

Em 1966 Cristo Mulato entra na Polícia Militar do Estado. Lá, quase não falava, era considerado como um bom Soldado ou Policial.


Foto – Quartel da Polícia do Exército, Cabanga-Recife, 1960. Na foto, aparecem soldados  da PE e, ao centro em pé, com capacete (assinalado), o soldado apelidado por “Barruada”, abatido pela Polícia do Exército, no golpe militar de 1964. Próximo, aparece o autor, o terceiro da direita para a esquerda, idem de capacete. Os demais estão de gorros de pala.

Nota do autor: No Recife, o regime fez as suas primeiras vítimas: os estudantes Ivan Rocha Aguiar e Jonas José de Albuquerque Barros (mortos) e um ferido, não identificado!


( Capítulo XIV do livro “O Cristo Mulato”, ed. do autor – 1982).


terça-feira, 5 de junho de 2012

Tertúlia Literária



Tertúlia Literária 


 Por José Calvino


Fui convidado por um grupo de estudantes de jornalismo a participar de uma Tertúlia Literária, no espaço público da Biblioteca Estadual Presidente Castelo Branco. A palestra contou com poucos leitores, mas foi muito gratificante. Fiquei muito contente em lá ver leitores os quais não conhecia pessoalmente. Um dos estudantes do curso de Comunicação Social ressaltou, na ocasião, o que tem sido feito para conscientizar, do ponto de vista cultural e político, sobre o perigo e conseqüências da extinção do curso de Jornalismo. Em seguida, ele leu um trecho do meu livro:

(1) Formação

O exercício de qualquer profissão exige além de competência, a formação. Aliás, não consigo conceber uma sem a outra. O que diferencia uma costureira de bairro (sem desmerecê-las, claro) de uma estudante de Estilismo e Moda de uma faculdade?, ou uma boa cozinheira de um restaurante de alguém que faz o curso de Economia Doméstica? Eu poderia citar inúmeros exemplos para dizer que, além do talento, as pessoas precisam ter qualificação. E isso, em qualquer lugar do mundo, em qualquer época, só se adquire com estudo. No caso, quem estuda a nível "superior", fazendo uma graduação, tem (ou pelo menos deveria ter, porque entra aí o fator talento) mais condições técnicas de exercer uma profissão do que outros que estudaram (se é que estudaram) somente até o nível médio.

Na hora de contratar, pode até ser que as empresas fiquem com os mais baratos. Mas, isso é insustentável, porque levará à falência por falta de bons resultados, qualquer negócio.

Acredito que deva ser criada uma nova lei regulamentando a profissão de jornalista. Enquanto isso, os ministros que votaram a favor da extinção do curso que arquem com as consequências das barbaridades liberadas por eles, as quais a população terá acesso (textos cheios de erros gramaticais, etc).

Vou dar um exemplo do que estou dizendo: A minha neta Elisa. Penso que ela se qualifica desde nova para exercer a função de maneira diferenciada. Tem curso de inglês concluído e com certificação concedida por uma universidade de Londres e, agora, está fazendo francês. Se no Brasil não a valorizarem, a minha filha será a primeira a incentivá-la a fazer uma especialização na Sorbone (a melhor universidade de Paris). Aliás, antes desse fato novo, ela já estava estudando línguas para isso. Por fim, a minha neta Elisa quer fazer História depois de Jornalismo para ser Arqueóloga/ Jornalista especializada em matérias para revistas qualificadas.

Quem é bom no que faz sempre se resolve. É para isso que lutamos, não é verdade?

(1) Extraído do livro “Fiteiro Cultural, pp. 181-2, ed. 2011.

domingo, 3 de junho de 2012

Recordações





Recordações

Por José Calvino


Para muita gente, recordar é coisa de velho. Recordam-se inexprimíveis oportunidades como se recordam fatos, pessoas...

Na minha mocidade fui ferroviário e meu pai era chefe de estação da antiga Great Western. Por isso, acredito, o trem está sempre presente em minhas inspirações. O trem é elemento presentemente constitutivo da literatura universal. No mundo de Émile Zola, por exemplo, em sua obra-prima “A besta humana” (aguardem “Maria Fumaça e a Besta-Fera”), o romancista refere-se sempre aos trens, ligado que foi, desde a sua infância, à ferrovia. Seguindo a série sobre a ferrovia, achei por bem ilustrar esta crônica com as fotos do Museu do Trem e da antiga estação Floriano (hoje estação do metrô com o mesmo nome), na qual trabalhei na década de 60. “ O passado nos atropela através das lembranças...” (Mara)

“Que lindo poema, Calvino. Quando estive no Recife fiz questão de ir ao Museu do Trem... Emoção demais para quem viajava todos os dias de Socorro ao Recife, para estudar no colégio Carneiro Leão.” (Risomar). E foi através dos gentis comentários de Mara e Risomar sobre o poema “Trem Fantasma”, que me veio a lembrança de quando trabalhava como telegrafista na estação de Floriano-Socorro.

Muitos soldados do então 14º Regimento de Infantaria (14 RI) ficavam esperando o chamado “trem do soldado”, destacadamente as estudantes do colégio “Medalha Milagrosa”, que estudavam pela manhã e largavam quase no mesmo horário (11:30). Só que o trem que as estudantes embarcavam, geralmente chegava atrasado, e a plataforma ficava cheia novamente, sendo que ao invés de avalanches verde-oliva dos soldados, predominava o azul e branco, as cores das normalistas. Era quando a plataforma ficava mais bonita com o brilho colorido das jovens estudantes. Ironicamente logo apelidaram de “trem das normalistas”. Elas conversavam muito comigo e gostavam de me observar manipulando o telégrafo concedendo licença dos trens e principalmente ao trem que elas iriam viajar. Antes, porém, ao comunicar ao movimento dos trens, pelo telefone e a hora de chegada e partida dos anteriores, elas passavam e me chamavam de “relógio”. Eu achava graça com as brincadeiras delas: “Que horas o trem vai chegar, relógio?”

Contei essa história ao saudoso poeta-cantor e locutor da Estação Central do Recife, o boêmio Almir Távora, à noite, quando largávamos, sempre íamos ao inesquecível bar Central, e lá ele cantava “Relógio” de Adilson Ramos, e “Normalista” escrita por David Nasser, respectivamente : “Porque não paras relógio/ Não me faças padecer/ Ela irá para sempre/ Breve o sol vai nascer... Embalado, eu acompanhava o “trem”: “Detém as horas relógio/ Pois minha vida se apaga...” E Almir soltava seu vozeirão “à la Nelson Gonçalves”:

“ Vestida de azul e branco / Trazendo um sorriso franco / No rostinho encantador / Minha linda normalista / Rapidamente conquista/ Meu coração sem amor / Eu que trazia fechado / Dentro do peito guardado / Meu coração sofredor / Estou bastante inclinado / A entregá-lo ao cuidado / Daquele brotinho em flor... Novamente eu acompanhava: “Mas, a normalista linda /Não pode casar ainda / Só depois que se formar... “
Tempo bom, como esquecer meus 19 anos? Tão vivos... e, agora, são só reminiscências agradáveis, estas que não se perdem jamais.
Foto 1 - O autor, no Museu do Trem do Recife – 1985 –

Foto 2 - Estação Central do Recife, ano/82 (Foto do autor).

Foto 3 - Estação Floriano - Socorro/Jaboatão, 1962. Na foto aparecem, da esquerda para a direita, um praticante de Estação não identificado, telegrafista Silva, assassinado na Estação Arlindo Luz, 1963, José Araújo Chefe da estação, Santino Guarda-Chaves e o autor de gravata de listra, sem o quepe e o paletó; mangas da camisa arregaçadas.


Extraído do livro Fiteiro Cultural, pp. 161-3, ed. do autor - 2011 -

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sobre gavião-de-penacho e o Zeppelim



              (Foto:Cida Machado/2009)

Sobre gavião-de-penacho e o Zeppelim*



 Por José Calvino 



Não há dúvidas de que somos um povo hospitaleiro e muito amável para com o trato das coisas dos outros povos, enaltecendo e pondo em evidência seus feitos históricos. Em contrapartida, colocamos em plano inferior nossos próprios feitos. Esta aversão vem a propósito do tombamento da torre metálica que serviu de atracação para o Graf Zeppelim, cujo ato governamental somente enalteceu as qualidades boas do nosso primeiro mandatário.

A remissão de que desprezamos os nossos próprios feitos heróicos não se refere ao ato de tombamento da Torre do Zeppelim, porém está diretamente ligada ao fato de que os administradores do Estado e do município não foram sensíveis à preservação do Patrimônio Histórico de Pernambuco, erguido na Praça da Encruzilhada, retratando o maior feito histórico da aviação mundial, a qual somos pioneiros. O obelisco construído em estilo dórico, encimado com um globo representando a Terra, onde repousava uma águia, em cujo pedestal lia-se a inscrição "em homenagem a Ribeiro de Barros, Vasco Sequine, Newton Braga e João Negrão", que foi totalmente destruído.

Com a reforma da Praça da Encruzilhada, houve inúmeras reportagens nos jornais de nossa cidade e pedidos da comunidade da Encruzilhada para conservar este feito mundial, o maior já visto na história da aviação, à época, antes do Zeppelim. A despeito do clamor da Imprensa e da população, colocaram a águia, monumento histórico de domínio público, em novembro de 1998, sem placa e de costas para a Avenida João de Barros. A antiga coluna foi iniciativa do jornalista Joaquim Oliveira, no compromisso de contribuir para a realização da obra em 1927. No mesmo ano, o monumento em homenagem aos pioneiros portugueses, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, localizado na Praça 17, de frente para o mar, foi ofertado pelos portugueses de Pernambuco ao Recife.

Acontece que está havendo grande polêmica sobre a águia que reviraram em 1999 em frente à avenida, com placa nova: "Monumento ao Jahu (sic)". Na realidade, trata-se de um gavião-de-penacho, da Amazônia, que foi reconstituído e moldado em fibra de vidro pelo artista plástico Luiz Pessoa, sobre coluna oca pré-moldada, revestida de granito verde, pesando 11 toneladas. Substituindo assim o antigo, destruído para atender ao fluxo do tráfego naquele largo. Embora que a explicação do Sr. Luiz Pessoa não coincide com o esboço para corrigir o monumento da Águia da Encruzilhada. Sugestão e pedido do Rotary Club da Encruzilhada. De qualquer maneira, ficam aqui mais uma vez os agradecimentos à Prefeitura Cidade do Recife, em nome da população da Encruzilhada e dos que fazem a história dos povos.

* Extraído do livro "Fiteiro Cultural", pp. 257-8 - Ed. 2011.