sábado, 30 de março de 2013

Equívocos




Equívocos


Por José Calvino



Por que algumas pessoas dizem que o livro está morrendo e, paradoxalmente, por que a gente escreve?

Dirijo-me, como escritor e poeta independente, aos grupos virtuais do mundo inteiro, que acessam as redes sociais (facebook, etc) com tanta facilidade para dizer tanta besteira, que nos irrita e que com um simples “kkkkk/hehehe... já acham que podem dizer que gostam de ler. Para poder dizer que sou escritor, por exemplo, eu tenho um blog (Fiteiro Cultural), sou colunista do Literário, tenho trabalhos publicados em vários sites, tenho 12 títulos publicados (todas edições esgotadas) e um inédito (vide livrete “Jesus”).

Como todos nós sabemos, que alguns internautas encontram sites especializados em e-books que oferecem informações muito utilizados por estudantes, pesquisadores, etc. O que eu sei é que muitos não lêem livros na Internet e talvez alguns, como eu, imprimam para se livrar da luz da tela por causa da visão. Pode até ser que futuramente muitos livros (os novos) venham a ter sua versão eletrônica. Apesar de tudo isso, eu acho que o livro impresso irá demorar (se acontecer) a desaparecer. Há leitores que são fiéis, acredito que teremos um público ainda por muito tempo, pelo menos é o que venho fazendo no meu trabalho de divulgação. Então, em nome do Fiteiro Cultural e em nomes do Literário: Um blog que pensa e dos escritores e Poetas Del Mundo que gostam de escrever como todos nós aqui escrevemos, quero parabenizar os(as) excelentes colunistas que conquistaram diversos leitores.

Mesmo não tido respondido ainda à pergunta: porque dizem que o livro está pra desaparecer, e nós continuamos a escrever?, a explicação mais plausível e simples que posso lhes dar é a de que, enquanto muitos ficam ligados na Internet sem ler um livro sequer, somente clicando “curtir” e no“kkkk/hahaha...”, nós escritores passamos no teste de aceitação por uma certa quantidade de leitores. Eu acredito no que estou dizendo, acho também que a Internet ajuda a divulgar os nossos trabalhos, conseqüentemente a popularizar o livro.

sexta-feira, 29 de março de 2013

À perda de um amigo e fortalecimento de outrem



À perda de um amigo e
fortalecimento de outrem


Por José Calvino


Há dois anos, numa de minhas farras com um grupo de poetas, escritores e jornalistas, houve um acontecimento desagradável que me fez ficar sem animação em participar dessas festividades. Achei por bem mostrar aos leitores  as cartas recebidas:
a) “Só um momento assim me faria enviar-te este. Estou desolado pelo inusitado acontecimento. Poderia ter ‘fonado’, não o fiz, preferi escrever-te, uma ação mais concreta, mais material. Nós não merecíamos o acontecido.
Um amigo tão bom, tão correto, tão leal e tão solidário como és; não considerei, foi um momento infeliz da minha vida, um desperdício de valores, uma má ação de minha parte, por fim uma amizade desperdiçada.
Espero que encontres outras amizades mais dignas de tua convivência.
Não penses que atribuo o ocorrido apenas à bebida, não. Minha capacidade de tolerância, de sociabilidade esvaiu-se, tão-só pelo inexorável da velhice, que a cada dia nos torna mais casmurro, mais triste, mais sorumbático.
Portanto quero que saibas: Perdi um bom amigo, mas a vida ainda é muito ampla diante de ti, tens ainda muitos dias pela frente, aproveita-os e não chores o Leite azedo que entornamos.
Adeus.”

b) “ Calvino, como costumo fazer, estou relendo todos os seus romances. No Grande Comandante, reli, com grande júbilo o prefácio por Maria do Carmo, sua filha: ‘ Porém, embora procure alertar ao próprio homem, dos seus próprios problemas, fica a tristeza de não conseguir resolvê-los, já que o ‘próprio homem’ não aceita a realidade e, mais adiante: ... mas também as futuras gerações, saibam que aqui, no Nordeste do Brasil, nasceu um homem, e com ele, uma obra. (M.C.).
Evidente que também o menino da rua (...), seria no porvir também um grande comandante!
Calvino, as aparências às vezes nos traem. Certa vez você sentenciou: ‘...você é um homem feliz! Eu ri; não sabias que dentro daquele invólucro havia uma alma atormentada, tropeçando ínvios caminhos, sem oriente adredemente colimado.
E agora voltando a você. Estive refletindo a seu respeito. Relendo seus livros com mais vagar, refleti nas simples palavras, no vocabulário de trato, meditações profundas, idéias afiadas, ferinas, às vezes de intuições filosóficas, inquirições surrealistas, um querer de quimeras, convicções de futuras realizações. Enfim, um caminho.
Concluindo: você nunca se aproveitou do que fez, não bajulou, não rastejou, sempre imune a conluios e panelinhas, tão comuns nas cenas dos teatros hodiernos exibidos a cansaço.
Enfim a convicção de que em breve seu trabalho virá à luz, isto porque você escreve de maneira muito pessoal, com estilo próprio, fugindo de imitações estéreis.
Cheguei à conclusão de que às vezes um incidente brutal como o acontecido ultimamente entre nós (de triste memória) venha estranhamente mais fortalecer nossa amizade, de minha parte eu me declaro como seu amigo, espero que você não guarde rancor e que a vida continue sem animosidades.”

terça-feira, 26 de março de 2013

Paixão de Cristo - Rir ainda é o melhor remédio




Paixão de Cristo* – Rir ainda é o melhor remédio

                  
                  Por José Calvino 



Vamos rir? Era Semana Santa. Antigamente todos os anos  no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, era armado o circo Tomara que não chova   (por não ter empanada). O proprietário do circo havia dado, uns dias antes do espetáculo, uma pisa num rapaz, em razão do mesmo haver dado uma cantada em sua amante.

Mas o que aconteceu? O referido rapaz é contratado pelo diretor do espetáculo, junto aos demais desocupados para fazer o papel de soldado (os algozes de Jesus). Jesus carregava  a cruz ao calvário, após colocarem a coroa de espinhos (feita de palha) na cabeça. Na hora em que os soldados chegavam a ele  diziam: “Salve, rei dos judeus!; e davam-lhe falsas bofetadas, açoitando-o com sacos de estopa.

O rapaz inimigo, premeditadamente, colocou um “quiri” (pau) dentro do saco e  danou pelo lombo do Cristo. Ao reconhecer o dito cujo, Jesus soltou a cruz e foi em cima do inimigo. Foi aí que começou a inesperada comédia. Brigando, Jesus leva desvantagem... e outras cacetadas foram dadas. Cristo então corre, para alegria da platéia, que gritava: “Jesus frouxo!”, “Jesus frouxo!”.

* Extraído do livro Miscelânea Recife - p.127-8 - ed. 2001 - Gravado em disco - mar 2003.

Tributo a Clara Nunes (Morro da Conceição)

                                               Tributo a Clara Nunes - Domingo 24/03/2013
                                                      Foto: João Bosco/José Calvino  
                           CLUBE DO SAMBA DE RECIFE NO MORRO DA CONCEIÇÃO

sexta-feira, 22 de março de 2013

Ninon Sevilla




Ninon Sevilla

Por José Calvino


“E eu fico por aqui, sassaricando”.
       Ninon Sevilla, Rio-1954



O cinema Rivoli de Casa Amarela, no Recife, nos anos 50 exibia muitos filmes proibidos para menores de 18 anos de idade. As artistas Ninon Sevilla, Maria Antonieta Pons e Brigitte Bardot eram símbolos sexuais. Quantas“punhetas” com aquelas imagens!, principalmente a rumbeira e atriz cubana Ninon Sevilla, que a comparava com Cuquita Carballo, ou Carbajo? Seria amor? Qual nada! Era mais uma excitação sexual que todos jovens têm...

No cine Rivoli, ia passar na soirée o filme anunciado: Uma Aventura no Rio – Sinopse “É a história de um médico psiquiatra mexicano, que vem ao Rio participar de um congresso médico. Sua esposa vem também e, aqui no Rio, sofre uma crise de amnésia. Uma outra mulher morre afogada no cais e é identificada como a esposa do médico, que desaparecera, perdida na cidade, devido à amnésia. O médico parte para o México, julgando morta a esposa. E eu fico por aqui sassaricando...”

A fila estava enorme, eu tinha meus 15 anos, desempregado, estava mais liso que mussum. Adolfo Mascarenhas de Morais, respeitado em Casa Amarela por ser parente do Marechal Mascarenhas de Morais, havia providenciado uma carteira da Sociedade de Proteção aos Animais, com as letras garrafais em vermelho FISCALIZAÇÃO – no verso: “Decreto Federal... As autoridades Federais, Estaduais e Municipais...”. Então, resolvi assistir ao filme dando uma de fiscal e o porteiro ao olhar a carteira disse:

- Aqui não tem bicho.
- Não tem o leão da tela?
- Tá confiando no dotô Mascaranhas, é?

Nisso vai chegando Mascarenhas, acompanhado do gerente e esposa.
- Deixa o galego assistir o filme da boazuda, amiga do doutor Mascarenhas! – disse o gerente.

Vocês, leitores, não imaginam a curiosidade que senti quando Adolfo Mascarenhas disse que foi ao Rio assistir às filmagens em Copacabana. Ele contava que era amigo de Ninon, que ela era espontânea, que curtiram o banho de mar, aquele calor humano, narizinho arrebitado, linda, linda... e os mais velhos não acreditavam na conversa de Adolfo. Mas, as aventuras contadas por ele, pra mim, eram gratificantes. Parecia que estava vendo ela levantar a saia à altura da barriga, exibindo a calcinha e suas belas pernas...
Ah, Ninon, naquele tempo se houvesse uma oportunidade, com certeza eu lhe diria: “Vamos conhecer em Recife as praias do Pina, Boa Viagem, Candeias... olhar o mar de Olinda e conversar curtindo as paisagens do Morro de Casa Amarela.

A humanidade deveria ser uma grande e harmoniosa família. Na igreja da Harmonia, cantavam a oração de São Francisco de Assis:

“(...) consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna!”

- Eu vou pra igreja. É melhor do que tá ouvindo as mentiras de Mascarenhas!
- Chico, vai tomar no cu.


quinta-feira, 21 de março de 2013

Sorveteria Botijinha






Sorveteria Botijinha*


Por José Calvino



Essa tradicional Sorveteria se localizava inicialmente na Pracinha do Diário, onde também existiam o Café Chile, o Salão Elite, Chapelaria Colombo e Casa Louvre, fazendo daquele logradouro um dos Pontos de Encontro mais importantes da cidade naqueles idos, quando recebia a denominação popular, durante os carnavais de “Quartel General do Frevo”.
A Sorveteria naquela época era ponto de referência para os visitantes de outras cidades, principalmente do interior: “depois das compras vamos nos encontrar, do lado da Botijinha...” Talvez atraído também pelo movimento dos cinemas na parte mais ocidental da cidade, ou pela construção do Prédio do Banco Lar Brasileiro “O ARRANHA CÉU DA PRACINHA”, essa Sorveteria passou a funcionar na sala nº 146 da Rua Matias de Albuquerque. Seu primeiro proprietário foi Carlos Pena, pai do Poeta do Savoy e de outras românticas partes do Recife.
Era um lugar freqüentado por pessoas da elite recifense. Ao ser transferida para a Matias de Albuquerque, localizada próximo ao Fiteiro Cultural de número 145, ainda vivenciou belos dias até o início dos anos 60, ficando, porém, totalmente fora de seus padrões iniciais, sendo apenas, como tantos outros bares do Bairro de Santo Antônio. Aconteceu fechar as suas portas definitivamente, deixando o Fiteiro Cultural com seu espaço livre, para receber os seus clientes (os que gostam de ler).

* Extraído do livro "Fiteiro Cultural", pp. 200-1 (Vide Recife das Sorveterias, "Fiteiro Cultural", pp. 174-5)




quarta-feira, 20 de março de 2013

Canalhas de Gravata




Canalhas de Gravata

 Por José Calvino


“Homens sem brio, sem vergonha, hipócritas, sem compostura, são nivelados aos vermes. Não se incomodam quando os chamam de HOMENS”.


Em 1941, o jornalista Hamilton Ribeiro lançou o livro intitulado “Canalhas de Gravata”. Em sua apresentação ele diz: “Desnecessário é dizer que não é sem grandes sacrifícios que vou lançar a publicidade um caderno com 150 páginas (calculadamente), saiu com 174 páginas, em papel “buffon”, capa em cartolina “sublime” – desenho em duas cores -, contendo cartas com citações de vários nomes e diversos conceitos meus e de alguns escritores célebres...”

Diante dessa sua apresentação ele pede para que os “amigos”honrem com a sua amizade ao não solicitarem seu livro gratuitamente, pois do contrário demonstrariam claramente quererem arrancar a sua “única gravata” que possui. Diz ainda que dar um livro, constitui “fazer cortesia com o chapéu alheio”...

O livro mexe com todos os canalhas e é o retrato fiel de uma sociedade composta por corruptos que se misturam com os homens de bem. O escritor russo Dostoiéwski , há anos, já previa em sua obra “Humilhados e Ofendidos”: “Ser cordeiro entre lobos e lobo entre os cordeiros”.

Não conseguindo boa vendagem, alguns canalhas viciados sugeriram colocar o acento agudo no último “a” e vender na cidade de Gravatá. As más línguas dizem que foram todos vendidos. Sinceramente, eu não acredito, pois o meu pai sempre dizia que jamais Hamilton Ribeiro faria isto, ele era um homem de caráter incapaz de cometer atos imorais, injustos, ilegais... Ele escreveu a realidade dos homens e dos acontecimentos da época e, não, para enriquecer. Portanto, respeito é bom, nada de calúnias...

terça-feira, 12 de março de 2013

Monumentos brasileiros




Monumentos brasileiros*


Por José Calvino 



Todos os que lêem jornais, revistas e outros veículos de comunicação, tomaram conhecimento de que a prefeitura de Santos (SP) irá construir um monumento para Pelé. O custo da dita obra está estimado em 100 mil dólares, o equivalente a R$ 126,1 milhões de reais, isto sem computar os custos com a obra do arquiteto Oscar Niemeyer, que não foi ainda orçada.

Aqui, em Pernambuco, na cidade de Serra Talhada, projetaram uma estátua do então famoso cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, vulgo “Lampião”, ou até mesmo para fins futuros de algum “meganha” que, na época, comandava as “volantes”. Neste caso é bom lembrar que é pública e notória a discrepância dos estudiosos do Ciclo do Cangaço quando relatam os crimes praticados pelos Soldados de Volantes e grupos de cangaceiros.  Sobre esse assunto, convém ressaltar ainda que não adiantam as censuras que estão sendo feitas à estátua de Lampião, porque tudo é uma questão sociocultural de cada região e todos têm o direito de escolher os seus heróis – como, por exemplo, temos, no Brasil afora, monumentos de jumento, vaca, aves e outros bichos e mais os que simbolizam e promovem os politiqueiros de nosso País. Esses, no entanto, estão no “altar” e, além do mais, são amplamente divulgados. E, para essas besteiras todas, bastam seus autores pertencerem às “panelinhas” da direita, centro ou esquerda, e lá estarão erguidos seus bichos, até com poesia.

Agora, se me permitem, mais uma vez, finalizo rendendo um culto  ao livro, descrito monumentalmente por Belmiro Braga como:

“Um livro aberto parece uma ave que quer voar. E, quem lê, reza uma prece ao saber. Santo de Altar”.
  


* Extraído do livro “Fiteiro Cultural”, pp. 192-3 – Edição do autor, 2011.



terça-feira, 5 de março de 2013

Entre dentes





Entre dentes


Por José Calvino


A Ana Patrícia


Entre dentes, surge a luz.
E a natural sabedoria
que vem de um raio
num som feito de cintilantes sonhos.
Num sonho vindo de claros sorrisos.
Que se estraçalham e com os quais
se impregnam a vida.

Fiteiro Cultural VI






Fiteiro Cultural VI

* Por José Calvino

Caros escritores e poetas, pelo que eu venho observando há muitos anos, nunca se verificou no Brasil uma resistência dos escritores e poetas ao sistema, principalmente nos anos de ditaduras do Estado Novo (1937-45) e Militar (1964-85). Em Pernambuco, na maioria dos casos essa resistência processou-se em movimentos de partidos políticos, Associações de Classe, na Igreja, mas uma atuação individualizada por pequenos grupos e não houve um fórum de debates. Infelizmente a desunião é grande no que diz respeito à literatura e aos direitos culturais, além da politicagem, como eu já disse aqui. O problema não é só a distribuição, o livro tem que ter qualidade, o enredo também e, o mais importante, a divulgação.

A compra pelas bibliotecas públicas não existe, mas deve ser lembrado, por algumas editoras em sua política editorial, de transformar em livros certos acontecimentos importantes ou notáveis, independentemente do fato de que o autor seja conhecido ou não tenha extraordinária resposta comercial e boa divulgação. Assim mesmo as chamadas grandes editoras não estão bancando livro de quase ninguém, porque não tem encontrado resposta satisfatória do mercado. Limitam-se aos best sellers (sic)!

Enfim, o drama do livro e da leitura no Brasil é uma vergonha. Numa pesquisa entre 30 países, o nosso ficou em 27º lugar (dito pela revista inglesa The Economist/ 2006). A melhoria educacional e o hábito da leitura, até hoje não existem. Só se estimula fortemente os esportes, sobretudo o futebol, que só promove os politiqueiros do nosso País. Não lhes interessa, portanto, discutir com sinceridade a questão cultural. Me bancar a mim mesmo foi o caminho que eu mesmo encontrei, porque infelizmente só existe esse mesmo: financiar a edição, nada de ficar esperando que o apoio caia do céu. Para que vocês tenham uma idéia, eu saí pelo Brasil afora e vendi todos os meus livros. Por falta de patrocínio este ano, mais uma vez, banquei do meu próprio bolso 500 livretes para serem distribuídos gratuitamente!

sexta-feira, 1 de março de 2013

Pão Duro





Pão Duro


Por José Calvino



Azambujanra não conseguia dormir, destilava a cachaça tocando piano: Os noturnos de Chopin.. Já era uma hora da manhã e a sua irmã mais nova reclamou da zoada do piano.
- Hoje eu não vou comprar pão – disse Azambujanra.
- Isso é um inferno! Vai dormir, homem, com essas modinhas do tempo do ronca. É enchendo a cara de cana todos os dias, não adianta a doutora Adriana receitar defunto, vai morrer – disse a irmã caçula.

Azambujanra comprava sempre pães do dia, mas a sua amiga nutricionista passou uma dieta hipopurínica proibindo carnes vermelhas; peixes (cavala, arenque, sardinha, atum e salmão; vísceras ( fígado, miolo, rim e coração de boi ou de galinha); molhos industrializados...; crustáceos ( camarão, lagosta, caranguejo...); sopas industrializadas; cogumelo, espinafre; chocolate; ovos...

Bem, Azambujanra ficou preocupadíssimo com a taxa de glicose em seu sangue e um pouco com a abstinência daquilo o que ele mais gostava quando ia à praia de Candeias: os peixes e crustáceos, agora proibidos. No tocante ao consumo moderado, ele se animou com os alimentos protéicos: peixes (com exceção dos proibidos), queijos, iogurtes; feijões; pães, bolachas... Orientado pela nutricionista a comer sempre que possível soja em grão ou proteína texturizada de soja e, comer todos os dias, uma castanha do Pará . Evitar frituras... Manter o peso ideal. Na hipoglicídica, na atenção nos rótulos, etc.
- Azambujanra pensa que eu sou da época dele. Eu sou de Xuxa pra cá!
- E eu sou da época de Xuxa (escrivão de polícia, anos 50) –disse Azambujanra.

Enquanto a sua amiga se referia a Xuxa Meneghel, muitos risos e reminiscências foram contadas. Conversar com Azambujanra, é chorar de rir, só conferindo. À medida que contava os cuidados com os alimentos “light”,o pão dormido... Realmente ele era um verdadeiro ator. Por exemplo, quando comprava os pães do dia os balconistas da padaria o tratavam de doutor:
- Diga doutor , quanto?

Quando passou a enfrentar filas para comprar pão dormido:
- Trouxe o saco?
- Não!
- Na próxima traga.

O tratamento mudou, e em nome da verdade Azambujanra era advogado, mas não era filiado à OAB, portanto não advogava. Também se formou só para dar incentivo aos filhos e não ligava que o chamassem de doutor. Notava que estavam pensando que ele não era porque não andava de paletó. Andava simples, mais de bermuda. Para alegria dos “amigos”:
- Doutor Azambujanra – chamava os seus amigos, um deles conhecido como mão-de-vaca, apelidado por ter a mão direita aleijada.
- Uma cerveja para o doutor – dizia mão-de-vaca.
Na ausência de “Mão-de-vaca”, diziam que nas igrejas católicas ele colocava nas “Ofertas” uma moeda de um cruzeiro com a mão direita aleijada e, com a esquerda, retirava com um biliro importância superior à que colocava.
- Esse aqui é do santo, e esse aqui é de mão-de-vaca.
Azambujanra era um homem revoltado porque escrevia pra quem? Para Getúlio Vargas, Etelvino Lins, Agamenon Magalhães, Garrastazu Médici?, todos falecidos igualmente aos vivos analfabetos, ignorantes de esquerda, direita e centro.
- Lá vem “Pão duro” – disse o balconista da padaria Nossa Senhora.
- Tá lascado!
- Esse homem ganha bem, não há necessidade pra isso.
- É um pão duro! – disseram os pobres da fila que chegavam na madrugada.
- Tá fudido, um homem branco, pirangueiro...

Final da história, hoje Azambujanra deixou de enfrentar fila e voltou a comer pão do dia pra não ficar “francês”. A irmã caçula deixou de reclamar, culpando Azambujanra por não ter conseguido emprego. Uma vez Azambujanra chegou a dar um murro no birô, quebrando o vidro que ficava em cima, protegendo o mapa do Brasil. Pensou no mestre José Amaro, personagem do livro“Fogo Morto”, de José Lins do Rego quando ouvia o gemer da filha Marta. Batia com mais força na sola. Hoje Azambujanra deixou de beber e fumar, independentemente de AA, religião, etc. E de vez em quando alguém agora pergunta:
- Cadê “pão duro”? Nunca mais eu o vi
- Dizem que ele tá é bem.

Azambujanra passa todo enfatiotado para o escritório.