quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

João preguiça


João preguiça

Por José Calvino


João Belarmino Brasileiro da Silva, mais conhecido por “João Preguiça”, era o tipo de pessoa que não tinha nada de preguiçoso. Não raro para os que se acordam às cinco da matina era encontrá-lo tirando areia com uma pá de um riachinho próximo à Rua da Harmonia, bairro de Casa Amarela-Recife. Quando terminava aquela tarefa ia para casa tomar banho e tomar o seu café da manhã.

Um ser humano que não deveria ter esse apelido, porque ao contrário do que parecia,sempre foi um exemplo de um homem trabalhador. A areia ele tirava para a construção de sua pequena casa. Tirava logo cedo para evitar proibições e, mesmo assim, ele organizava os livros para em seguida orientar os divulgadores, que na realidade eram vendedores de livros. Não deveriam era catalogá-lo no rol dos malandros. Seu corpo forte e atraente para as mulheres, era um modelo de beleza. Os invejosos diziam:
- Esse João Preguiça é um negro pernóstico.

Só tem a pose, mas antes de conhecê-lo pessoalmente todos ficavam admirados com seu modo de vida. Era “João Preguiça” que liderava uma turma de rapazes para a venda de livros. Diziam os semianalfabetos:
- Esse João Preguiça  só faz comandar a equipe de vender livros de comunistas.
- Na ditadura militar ele já foi preso vendendo livros marxistas. Levou um pau danado na delegacia de polícia.
- Ele tá brincando com a polícia, só vai no pau mesmo. É por isso que esse Brasil não vai pra frente!
- No Brasil devia ter pena de morte! – disse um militar da reserva do Exército. Esse militar nunca leu do filósofo Albert Camus: “A execução da pena de morte é o mais premeditado dos assassinatos.”
- E não é que ele já tentou entrar na polícia? Um vagabundo daquele querendo entrar como falso solteiro. Mas, a gente disse logo ao capitão sindicante que ele era casado e subversivo. O capitão, conversando com os vizinhos dele, ouviu: “João Preguiça entrar na polícia?”

Bem, o que vocês acham do João Brasileiro (era como eu lhe tratava), ele era preguiçoso? Acho que não. A meu ver, a culpa é dos governos Federal,  Estadual e Municipal. Estão sem moral. Por que? Nunca investiram na educação, saúde e emprego dignos!!! No tocante ao mesmo querer entrar para a polícia, era justamente pela falta de emprego. E ele achou, por uma parte, até bom e fez ver ao capitão como o nosso povo gosta de ver o próximo prejudicado. Se na Polícia Militar só entrasse casado, esse mesmo povo iria dizer então, com certeza, que ele era amasiado. João tinha experiências em vendas de livros, mas continuando no mesmo ofício, esquecer ? Ficava difícil. Só se fosse um demente. Pessimista? Ele não era, nem nas conversas informais. Apenas era sincero. Foi num bar no bairro do Recife, numa tarde, que ele foi vender o meu livro “O pai do Chupa”, a um casal de magistrados (sic), quando o suposto juiz perguntou: “Chupa o quê?” João explicou  que se tratava de um cais que hoje se chama Cais José Estelita. O dito casal, rindo a valer, repetia: “Mas chupa o quê?”, e João calmamente continuava explicando que era uma draga de sucção para aumentar o calado do cais. Aquilo foi  irritando-o, de tanto explicar. Então, pausadamente:
- Ele chupava laranja, picolé, manga... - entrecortou novamente o dito cujo – E mais o quê?
- Boceta, chupavam o pênis, que hoje vocês chamam de “caralho”!

As duas ficaram histéricas, chamaram a polícia e afirmaram estarem surpresos com a violência que campeia pelo Grande Recife.

- Prendam esse individuo, ele está desrespeitando a sociedade com esse livro imoral!

Realmente, divulgar livros ou vender é muito humilhante. Principalmente sendo do próprio autor. Eu digo isto porque já saí pelo Brasil afora e vendi todos os meus livros. Infelizmente, o nosso povo não tem o hábito de ler e quando você os cumprimenta, a maioria faz sinal negativo com o dedo indicador  ou vem com graça, como se o autor estivesse mendigando.  Foi o caso que aconteceu com o João Brasileiro com o casal de imbecis. Eu não iria mais bancar os meus livros, mas como havia começado a escrever “Jesus”, sem pretensão de ser uma obra teológica ou mesmo tomar partido em conflitos religiosos... mesmo sabendo que praticamente quase ou ninguém prestigia o autor independente. A Prefeitura do Recife decidiu por acabar com o Sistema de Incentivo à Cultura, que para mim era uma piada, incentivo sim para os apadrinhados.         A Fundação de Cultura é um verdadeiro cabide de emprego. Então, este ano resolvi bancar mais uma vez a edição do referido livro. O carnaval da capital pernambucana já começou com a secretária de Cultura  dizendo: “Tenho pena de quem não gosta de carnaval.” Eu por exemplo gosto. Mas, é a violência que o casal de magistrados disse na ocasião que chamaram a polícia para João Brasileiro que revela que mesmo os formados podem ser mal informados pela falta de leitura. O interesse do poder público  agora é com a decoração inspirada nas raízes da folia recifense. Pernambuco ainda é um Estado de “ Sabe com quem está falando?”

Bem, se contar tudo nesta crônica dará um livro. Este ano não pretendo assistir o povão alegre, acompanhando o Galo, registrado no “Guinness Book” há 20 anos como a maior agremiação carnavalesca do planeta. O Galo da Madrugada reúne cerca de 1,5 milhão de pessoas (sic), saindo do Forte das Cinco Pontas pelas ruas do Recife.

Será que neste ano o carnaval será tranqüilo? No ano passado, quase 600 ônibus foram depredados por vândalos durante os festejos de momo. Assisti algumas vítimas da violência sem o chamado “Socorro de Urgência”.        

Uma moça levou uma cotovelada no rosto e pararam uma viatura da Polícia, que não prestou socorro sob alegação de que este é um serviço do SAMU! E a lei que trata da perturbação sonora, que estabelece o limite de não superior a 80 decibéis?, os mal educados acham que sendo Carnaval, pode!!! Cadê as autoridades?

A marcha, em Paris, em defesa dos históricos valores republicanos, e particularmente pela Liberdade...

Acordei com um sonho, era João divulgando o meu livro “Jesus” no Recife e em Paris. Uma jornalista linda, competente, irresistível com aqueles olhos lindos, comunicativa e que, antes de me entrevistar com o celular na mão, eu lhe disse:
- Estou com preguiça, não consigo resistir.




  

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