quinta-feira, 26 de julho de 2012

Ir...



Ir...


Por José Calvino de Andrade Lima

Viajando no trem da antiga Floresta dos Leões (Carpina) para o Recife, Andréa só pensava em suicídio. Era o fim!
- Um país que só vive de miséria, prostituição, jogos de azar..., as autoridades sendo subornadas pelos poderosos, nada mais podemos esperar!

Desde criança, Andréa nunca viu governo bom que olhasse os problemas de nosso povo. Era o grande problema sócio-cultural. Agora, vinha a outra eleição. Revoltada, pensava: “Não voto em nenhum, todos são corruptos! Todos são iguais e calçam quarenta! Engraçado é um governador ganhar menos do que as várias categorias, pelo menos do Legislativo e Judiciário. Eu tenho certeza de que o salário do governador é inferior! Mas, por que então eles querem ser? Eu mesma estou chegando ao fim, não posso, não posso mesmo, eles me prostituíram. Agora é tarde e Inês é morta, meu Deus, não tenho mais controle, não posso raciocinar, estou perdida. Amanhã, talvez, alguém escreva tudo isso para alertar à juventude que as drogas não são somente maconha, cocaína; que o álcool também é. Só faz prejudicar a saúde e subir aos poderosos. Estes, são os que mais se beneficiam. Eles agem assim porque sabem que o nosso povo é analfabeto e os que sabem ler são incultos, e assim mesmo os que gostam não têm tempo, pois trabalham direto. Outros, enfrentam escalas até mesmo de 24 por 24, e a maioria, desempregados. O clima nosso também não ajuda. Ainda por cima o governo fazendo a cabeça do nosso povo com este “slogan” de: “pra frente Brasil!” Meu Santo Deus, aonde nós vamos parar? Vamos e vamos, pra onde?

Retirava da bolsa uma carta antiga do seu companheiro Rômulo que continha muita coisa erótica com história política-social e de sua vida de infância:
“Rapaz, na época do ‘Brasil, ame-o ou deixe-o e ‘Pra frente Brasil’, amar – e ir pra onde?

Ainda bem que o Brasil foi tricampeão mundial de futebol, e estava concorrendo pra ser campeão da miséria, sem os oitenta milhões das multidões dos anos setenta sentir!

Fora até o carro-restaurante e lá pediu uma cerveja. Enquanto saboreava-a, olhava pela janela as paisagens, de vez em quando lia e relia os manuscritos de Rômulo:
“... lembro-me bem do tempo de minha infância, um tempo que não volta mais, brincadeiras de bola-de-gude, empinar ‘papagaios’ e ‘carambolas’ (feito por papai), pega, jogar pião, de se esconder, de bodoque, de índio, bola-de-meia, sendo o que mais gostava era o do jogo de botão, pingue-pongue e o de futebol. Era o maior peladeiro da ‘paróquia’. No de botão lembro-me bem que a maioria dos meus amigos que tinham pais com condições de comprar na loja botões com distintivos dos clubes Náutico, Sport, Santa Cruz, América, et cétera. Os meus, na maioria eram de quenga de côco e de chifre feitos na oficina de seu Francisco. Uma vez estava tentando fazer um botão de quenga e cortei a mão esquerda, ainda tenho a cicatriz... Os dois ‘béques’ eram de tampa de brilhantina de nomes: ‘Chicão’ e ‘Trovão’. Eram respeitados pelo tamanho das tampas. Quando eu estava com raiva cometia ‘falta’, jogando os ‘full-backs’ de encontro aos adversários espalhando-os. Eu tinha dois jogadores que eram do capote de meu pai, que foram retirados para completar o time de ataque. Estes, se chamavam Procópio e ‘Bicicleta’, furavam gols mais do que os outros. Eu usava a paleta deitada nas jogadas mais difíceis. ‘Bicicleta’, por exemplo, era virado e a paleta idem, idem, tirava a bola de cortiça do adversário de fazer inveja aos que assistiam. Mas, um dia, numa das partidas, papai flagrou os seus botões na mesa, parafinados como os melhores ‘jogadores’ do meu time-de-botão. Então, ele não se incomodou. Papai era uma pessoa maravilhosa e senti que ele ficou contente por ser a minha equipe a melhor, ganhando para os que tinham os seus times de luxo! O meu goleiro mesmo era uma caixa de fósforo cheia de areia, mas para mim era o melhor goleiro do mundo, ele era revestido com papel crepom verde com um desenho de uma estrela branca de celofane colada. Era difícil levar um gol.

Lembro-me também que apanhava fitas cinematográficas usadas, na frente dos cinemas, e as levava pra casa para brincar de cinema. Colocava-as no lado oposto de uma lâmpada queimada, de cem velas e enchia de água. Improvisava, assim, um mini-cinema. Recortava dois quadrados em cada lado de uma caixa de sapato, também vazia. A lâmpada era introduzida no meio, entre os dois quadrados, da referida caixa. Um quadrado servia de tela e o outro colocava as fitas, ampliando-as. Ali também era o meu mundo! Recordar é viver...”

(Capítulo 15 do livro “Aonde iremos nós?”, Ed. do autor – 1983).

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