terça-feira, 1 de outubro de 2013

Carta ao Autor do Cristo Mulato



Carta ao Autor do Cristo Mulato


Por José Calvino


O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons”. (Martin Luther King)


Quando lancei a primeira edição do livro ‘O Cristo Mulato’,recebi uma carta dirigida a mim. Acho por bem mostrar agora aos leitores a correspondência e a resposta à mesma:

a) “Calvino, como não poderia deixar de ser tento uma aproximação com você, e já que pessoalmente me é impossível falar-lhe, busco nesta um diálogo escrito que valha por uma conversa consciente. Quando li ‘O grande comandante’ não deixei de lhe aplaudir por sua visão ampla da realidade, e transferida ao papel com tamanha lealdade. No capítulo em que você se refere ao padre yank, o missionário, não deixei de relacioná-lo com Lourenço Rosembaugh, padre Norte Americano, e tenho certeza de que estou certo. O referido padre, ao dar continuidade à sua missão, foi extremamente criticado e conceituado de subversivo, e sendo tido pelo major da Polícia Militar de Pernambuco, como um agitador e formador de uma ideologia que estivesse o povo a segui-lo. Como vemos, Calvino, constantemente podemos ser vítimas de más interpretações, por pessoas de um senso crítico bastante mesquinho, cuja formação não crê em atos de bondade.

Não posso deixar de comentar sobre ‘O ferroviário’, lhe perguntando sobre as questões que você aborda em seu livro. Como ferroviário você foi vítima de muitas injustiças, como a maioria dos pertencentes à classe trabalhadora, e gostaria vê-las esclarecidas numa carta que me venha a compreender melhor a situação. Como você não apenas serviu à ferrovia, mas também à Polícia Militar (PM) do Exército (PE); tomei conhecimento de outras injustiças que foram provocadas pelo mesmo‘major’, que o fez entrar num Conselho de Disciplina, buscando a sua decadência.
Acredito, Calvino, que pessoas como o major nunca hajam escutado o refrão da música de Vandré, que afirma:

Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam antigas lições
De morrer pela pátria e viver sem razão’

E pessoas assim, buscam o extermínio de gente como você, capaz de desmascará-los.

A classe trabalhadora está sendo bombardeada por constantes injustiças, e tremendamente preocupado fico eu quando penso que milhares de pessoas, como você, ainda passam por tais situações. Por isto é que espero que me explique as causas de tais situações enquanto pertencente às duas classes: ferroviária e militar, onde ninguém melhor que você poderá fazer-me sabedor.

Do Cristo, entre Cristos, Mulato”.

Nota – Em 1975, o Pe Lourenço Rosembaugh veio para o Brasil e passou a viver com moradores de rua no Recife. Foi preso e torturado (ditadura militar).

Na tarde do dia 18 de março de 2009, na Guatemala, o Pe Lourenço e mais quatro padres viajavam para uma reunião. Foram cercados por homens mascarados e armados que , em seguida, abriram fogo, matando o padre Lourenço Rosembaugh..

Resposta à Carta do autor a Cristo Mulato

b) Recebendo sua carta fiquei satisfeito com seu nível de consciência crítica, vez que você analisou o livro como um porta voz dos anseios da classe trabalhadora. Quanto às injustiças, acredito tê-las transcrito em sua maioria neste livro, onde o reflexo de meu sentimento é transportado às frases que o compõem. Mas não só o faço neste livro, como também nos anteriores e nos que possam vir a surgir, pois os problemas sempre existiram e continuarão a existir, enquanto houverem pessoas que o componham.

Não vou falar dos que realmente são causadores dos bombardeamentos das injustiças, sabendo que há muita gente boa com esperanças no futuro do nosso país (Brasil).

Com relação ao Conselho de Disciplina, foi a chance que tive de ser submetido à humilhação. Porque tinha mais de dez anos, se não o “major” tinha pedido a minha exclusão. Mas, a justiça é certa e nunca falha, embora existam “Omes da lei” nela, agindo com parcialidade.

Acredito que esta comunicação esclareça a situação em que me encontrava, embora que muitos dos meus colegas hajam-me advertido: “Cuidado Calvino, os homens são oficiais superiores (Vide o teatro “O Cristo Mulato”)

(...)

I – Comunico-vos que por determinação do Sr. Maj PM... fui submetido a Conselho de Disciplina, através da Portaria adm. nº... de 26 de março de 1979, cujo resultado o Exmo. Sr. Cel Comandante Geral determinou o seu arquivo e, conseqüente absolvição e tendo deixado, no período em que estive “Sub-Júdice” de receber as Gratificações de Serviço Ativo e de Representação...

II – Adianto-vos que durante todo este tempo, ultrapassando, chegando a nove meses, somente agora em janeiro de 1980, é que veio o pagamento das referidas gratificações irregulares, e que no momento veio-me à memória, causando com isto, um certo desestímulo, que poderia acarretar-me atitudes precipitadas e que do ponto de vista psicológico, sérios abalos foram causados, já que me encontrava contrariado e sentindo-me prejudicado, obrigando-me a não aceitar o dinheiro do corrente mês. Resolveu minha esposa, então, a recorrer ao Sr. Tem-Cel PM Ajud/Geral, receber o dinheiro, quando a mesma foi atendida, pois sentia o quanto os nossos filhos necessitavam de uma educação, e limitávamo-nos a “querer sem poder”, não podendo jamais ultrapassar o possível, pois financeiramente tudo estava (e até que vós não resolvas: “estará”) inutilizado, inclusive o meu ânimo e estímulo de seguir em frente.

Espero, nesta, ao menos, resumindo o que jamais em letras, poderei totalmente exprimir, todavia confio, que o Senhor juntamente com nosso digno Comandante darão uma solução aos referidos problemas...

Mãos à obra! Cristo Mulato!


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