sábado, 14 de abril de 2012

Lembranças de minha juventude




Lembranças de minha juventude






*Recife é uma nova Roma
 Que comanda o nosso carnaval
 Estamos na ‘Torre de Babel’
 Fazendo passo embaixo do ‘Arranha céu’
 Venha de pé de carro ou de trem...

Estava com amigos, escutando um frevo numa radiola de fichas. Havia desavenças entre os jovens dos bairros de Casa Forte e Casa Amarela. Um dia, o pau cantou no boteco de Odete esquina com o Mercado de Casa Amarela. Omitirei os nomes dos colegas, hoje pacatos cidadãos. O motivo: os farristas de Casa Forte colocavam fichas na radiola para ouvir rock’n’ roll e dançavam fazendo munganga imitando as danças dos filmes americanos. Comprei umas 20 fichas e meti “Balanceiro da Usina, Siriri”, na voz de Marinês, a Rainha do Xaxado. Aí a briga começou ao som de: “ Olê Laurindo, eu vou tirar uma laranja/ Olé Laurindo, uma laranja eu vou tirar...”. Para evitar essas brigas, aceitei o convite do meu amigo de infância (Alô, Virgilio), e passei a freqüentar o Grande Hotel que, além do ambiente tranqüilo, tinha a cerveja mais barata do que em qualquer outro botequim. E as batatinhas fritas eram obséquio da casa. Lá, conheci alguns cantores e cantoras, uma delas acompanhada de Manezinho Araújo, o Rei da Embolada e Altemar Dutra, a cantora cuspiu no salão e sentiu-se envergonhada diante da repreensão que recebeu de mim, pedindo desculpas. Na ocasião, minha amiga ficara sorrindo junto com Manezinho e Altemar quando eu mudava as palavras “trovador” para cobrador e “tempos” para bondes da música O trovador, de Altemar Dutra: “Sonhei que eu era um dia um cobrador/ Dos velhos bondes que não voltam mais/ Cantava assim a toda hora...” Recife emanava ares provincianos, existia o salutar hábito de colocar cadeiras nas calçadas, onde os comentários eram sempre os da vida alheia. Em uma época que os ladrões eram de quintal, pulavam o muro para pegar roupas no varal ou algumas galinhas.
Na Era de Ouro do Rádio os programas eram radiofônicos e as novelas, por exemplo, com sua sonoplastia e as vozes dos radiatores e radiatrizes nos transportavam ao mundo do imaginável com seus mocinhos e artistas. Foi assim que algumas novelas marcaram época. Quando do início da televisão preto & branco e sem o vídeotape, os erros eram hilariantes. Lembro bem uma propaganda de refrigerante, quando a atriz, ao vivo dizia: “Tome com sabor sem igual” (acho que era assim). Então, certa feita esqueceram de desligar a câmara e deram-lhe um refrigerante quente. Não teve jeito e ela categoricamente disse: “Essa merda é ruim gelada, imagine quente!”.
As lembranças me fazem transportar no tempo e recordar com saudade dos clubes simples que eu freqüentava: “Os Quinze” , “Amantes das Flores”, “Estou Aí”, “Canto da Vila”, “Ypiranga” e os clubes dançantes que haviam no Morro da Conceição e que eram mantidos por vereadores: “Rui Alves” (Hoje Escola de Samba Cultural Galeria do Ritmo), “Roberval Lins” e “Romildo Gomes”. Pois os clubes Português, Internacional... eram freqüentados pela nata da sociedade e ser sócio era o mesmo que ser considerado burguês. Hoje esses espaços são tão decadentes e fora de uso, abertos para todos e com a bilheteria livre, quando antes eram restritos apenas para sócios. Era um tempo mágico da romântica boemia pernambucana, vivenciado por poucos e sufocado pelo progresso. O tempo passa, deixando reminiscências nos corações de quem o vivenciou.



* Do livro: "Miscelânea Recife", p. 111 

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