Drogas & Crimes*
Em meados de maio, as estudantes Maria Clara e Thaís foram a uma festa
na casa de amigos, na cidade do Farol da Mata. Não mais voltando, os pais das
jovens avisaram à polícia. Passados oito dias, foram encontradas no canavial,
terras de Tracunhaém, em estado de decomposição. Estava ali a marca do crime de
homicídio de duas adolescentes do grande Recife.
- Puta merda... –
disse o investigador Agamenon.
O destacamento policial de Tracunhaém isolou o local do crime. A
Chefatura de Polícia ordena que a delegacia de homicídios envie peritos da
polícia científica e um delegado especial e nomeia um delegado especial para
desvendar o misterioso caso. Setenta pessoas foram ouvidas para compor o
inquérito policial. Dois agricultores foram presos, como possíveis culpados,
sendo indiciados, tendo como provas materiais papéis de balas (confeitos), fios
de cabelos, vinte comprimidos de Rohypinol, um frasco plástico conta-gotas de
tartarato de brimonidina (solução oftálmica), caco de cerâmica vitrificada e
vestígios de maconha.
O inquérito policial deu conta de que foram os irmãos agricultores. A
família de uma das moças contrata um detetive para elucidar vários aspectos
importantes sobre o crime e como os corpos das jovens apareceram no canavial. O
detetive Getúlio acende o seu cigarro Astória e faz séries de perguntas aos
pais das jovens assassinadas.
- Marreco fugiu da Casa de Detenção:
- De novo?
- Ele compra a polícia, não acredito no que dizem os jornais e rádios,
que ele tem uma reza que desaparece!
- Fugiu dentro do guarda-roupa. – disse Pinto da meganha.
- Rapaz, Pinto vai findar preso e excluído como comunista.
Estudantes no Zoológico de Dois Irmãos telefonam para a Central de
Polícia:
- Marreco está aqui no Horto de Dois Irmãos.
Para a gozação dos estudantes de agronomia, viaturas da Polícia Militar
e Civil foram ao local. Lá chegando estavam as aves palmípedes nadando no lago.
Um investigador de menor chegou a dar um cascudo no menino que vendia
amendoins. Somente porque estava rindo com os trotes dos estudantes.
Nos jornais estamparam que a família de uma das moças que foram
assassinadas no canavial, contratou um detetive para descobrir os verdadeiros
assassinos.
- Ninguém está acreditando no que o chefe de Polícia está dizendo. O
inquérito policial está mal feito. A polícia já não tem a credibilidade, perdeu
a confiança popular desde quando muitos se envolveram com ladrões e, agora, com
esta tal de maconha. Olha, faz até medo a gente falar...
- Quando eu for à capital vou comprar “Recife Sangrento”, do detetive
Dunga.
- A polícia proibiu porque se espremer sai sangue.
- A polícia não tem poderes para isso. Só se for a Censura Federal.
Assim mesmo, no cumprimento da lei.
- Os agricultores estão presos como bodes expiatórios.
- Menino, e como a polícia não suspeitou do pai de Thaís?
- Ele foi na certa. Olhe, eu acho que ele deveria ser investigado.
O detetive Getúlio, investigando o caso, constatou que o suposto pai de
Thaís era padrasto, ficando nesse caso como suspeito. Getúlio conversando com
amigos da Thaís, soube que a mesma se drogava e que não considerava o padrasto
como pai.
- Vamos vender este apartamento? – disse Amarílio.
- Não, eu morrendo o apartamento é de minha filha. – disse Olga, a mãe
de Thaís.
- Filha da Puta, é isto que ela é, vive fumando maconha na casa dos
amiguinhos, pensa que eu não sei, é? – disse, neurastênico – Estamos separados,
não confie não, que eu posso tomar outra decisão. – disse por fim com voz
ofegante.
No depoimento à Polícia Olga deu o seu testemunho, que causou suspeita
de que o autor do duplo assassinato teria sido o seu ex-marido Amarílio.
- Todos nós somos assassinos em potencial – generalizando, dizia
Getúlio aos seus amigos investigadores de polícia. Sem querer dizer que havia
lido o manuscrito de Hercole Poirot – “Cai o pano” de Agatha Christie: .... Todo mundo é um
assassino em potencial. Em todo mundo surge, de vez em quando, o desejo de
matar, ainda que não a vontade de matar.
Quantas vezes você já não sentiu ou ouviu as pessoas dizerem: “Ele me deixou
tão furioso que poderia mata-lo”; “Eu poderia ter matado D por ter dito
tal a tal coisa”; “Eu estava com tanta raiva que poderia tê-lo estrangulado”. E
todas essas afirmações são, literalmente, verdadeiras. A nossa intenção nesses
momentos é bastante clara. Você gostaria de matar fulano. Mas você não o faz.
Sua vontade tem de estar de acordo com o seu desejo. Em crianças pequenas, o
freio ainda não funciona bem. Conheci uma criança que, irritada com seu gatinho,
disse: “Fica quieto ou eu te bato na cabeça e te mato” e matou mesmo, para
depois ficar atônita e horrorizada quando tomou consciência de que o gatinho
não voltaria a viver, porque, você vê, na realidade a criança adora o gatinho.
Pois então, somos todos assassinos em potencial...”
- Eu mesmo não sou assassino – disse fulano.
- Nunca matei ninguém – disse sicrano.
- Mato bandido, se aparecer – disse beltrano.
Getúlio, filosofando à sua maneira:
- Os corruptos se vendem facilmente por dinheiro. Quantos politiqueiros
da pior espécie estão no poder? Sempre estão se locupletando no governo. Nas
batidas policiais morrem pessoas inocentes, sob alegação de que foi “bala
perdida”. Entretanto, quando um policial é atingido, foram os bandidos que
atiraram? Ora, neste caso a polícia não erra o alvo. Somente os bandidos
favelados é que erram? Se a polícia já
chega atirando, querem o que, então? Acabar com a vida dos pobres? Será que
todos favelados são bandidos?
- Ele é cheio de goga...
- Puxava a meia nos cinemas com as costas da mão e alisava as pernas
das meninas.
- Era um tarado. O seu tio foi o primeiro travesti do Recife, sabia?
- Não. O português da imobiliária era um pedófilo. Andava com meninos à
beça e todos o tratavam de tio. Concordo com você que realmente o português foi
o primeiro travesti do Recife. Antigamente, ele se vestia como mulher. Se não
fosse pela voz passaria por uma mulher tranqüilamente. Mas, com certeza, eu
digo, o português não era tio do Amarílio. Como atualmente, os meninos chamam
as professoras de tia!
- Olhai!, as minhas borboletas douradas – dizia o “portuga” com a
meninada.
Todo comentário era sobre Amarílio, quando em sua juventude se dava ao
vício de aspirar éter para se embriagar. Bebia muito e, quando se via em estado
de embriaguez, cheirava amoníaco...
- Fico bonzinho da silva – dizia Amarílio aos tombos.
- O filho de Elza maconheira, companheira do português, fora
assassinado por Amarílio. Sabia?
Amarílio tinha uma tatuagem de uma âncora no braço direito. Era
discriminado e tratado como maconheiro por ter feito aquela tatuagem na
residência dos ciganos (lugar onde existia o tráfico de drogas). A polícia era
conivente com aqueles ciganos. Alguns (dependentes químicos) jovens dos bairros
adjacentes compravam drogas na casa dos ciganos. Aquela boca-de-fumo era
visitada pela polícia constantemente e alguns eram comprometidos com aquele
comércio ilegal. Os primeiros bodes expiatórios foram os viciados, que residiam
nos morros e nos córregos.
Nos anos sessenta a maconha começou a proliferar por todo o Recife.
Getúlio Medeiros Filho, vinte e cinco anos, desempregado, começou a
trabalhar na agência de detetives do seu pai. Percebendo logo o tirocínio do
filho para investigar crimes, comportamentos e atos das pessoas, foi designado
a desvendar o crime do canavial. Devido ao descaso da polícia, ficou fazendo
investigações paralelas. Getúlio Filho, mais conhecido como Medeirinho, começou
a sua primeira diligência no boteco de Arribação, conhecida boca-de-fumo no
Beco da Fama, na Boa Vista.
Jovens estudantes ficavam naquele antro de perdição, cheio de viciados
em álcool, drogas e jogos de azar. Getúlio Filho visitou um jovem internado,
que estava delirando na Casa de Saúde, inocentando os dois agricultores como
autores do crime do canavial.
- Eu acho que essas moças foram estupradas, mortas e jogadas no
canavial. O motivo, evidentemente, foi por elas conhecerem os autores e como
queima de arquivo. – disse um amigo da família da Maria Clara.
- Concordo em gênero, número e grau com você. E digo mais: embora não
possa acusar ninguém, por falta de provas. Mas, não dá a entender que foi gente
do ciclo de amizades delas?
- E a mãe de Maria Clara nunca ouviu falar de Thaís. Acredita até que
era amizade recente, porque na festa dos quinze anos no ano passado a Thaís não
estava presente.
- Os psicotrópicos encontrados próximo aos cadáveres davam conta de que
os assassinos eram toxicômanos.
- Vamos pegar a sopa no Beco da Fome? – disse Ralphe, referindo-se a
fome dos viciados.
- Eu vou pedir uma média com pão e manteiga.
- A sopa é barata, um cruzeiro, e vem acompanhada com pão francês. –
disse finalmente Ralphe Day.
Daí em diante, o Beco ficou mais conhecido como: “Beco da Fome”.
Em Tracunhaém, próximo ao canavial onde encontraram os cadáveres de
Maria Clara e Thaís, estava a polícia constrangendo as pessoas e agindo com
truculência na prisão dos agricultores e sem apresentação de mandados.
- Não sei, não, sinhô! – disse Ismael dos povos.
- Sinceramente, eu tenho medo da polícia. – disse Pátria de Aruanda.
- Eu também, não viu o afilhado do doutor Chico? Como o pobrezinho
sofreu torturas, meu Deus do céu. – disse Negro da África.
- Se Deus quiser, os nossos filhos serão inocentados. – disse Maria
Mulata.
- Mulher, o homem põe e Deus dispõe. – disse Morena Formosa.
- Não denuncio porque tenho medo de represálias da polícia. – disse
Negra Aparecida.
- Eles fazem isso tudo com a gente, por que eles não fazem com os
filhinhos-do-papai, que são amigos delas? – disse Nazaré, referindo-se aos
jovens que participaram da festa na casa-de-campo, onde houve consumo de
álcool, drogas e prática de atos libidinosos na noite anterior, quando as
estudantes Maria Clara e Thaís, ambas com dezesseis anos, desapareceram no dia
seguinte, e foram encontradas mortas, após oito dias...
O garçom da Capela
Show contou ao detetive Medeirinho que duas garotas, parecidas com Maria e
Thaís, estiveram no bar com dois rapazes e que um deles possuía uma tatuagem de
uma âncora no braço esquerdo (adolescentes e tatuagem, foi descartada a possibilidade
do detetive Getúlio continuar suspeitando de Amarílio). Prosseguindo, o garçom
revelou que prestou depoimento na delegacia de polícia do Farol, relatando que
as duas jovens eram parecidas com as meninas das fotos. Não afirmando que eram
elas. Dizendo ainda à polícia que os jovens a quem atendeu estavam com um casal
em uma Rural Willys. Sendo identificado como sendo carro de praça do
Farol da Mata.
Os Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil
e do Fórum Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, declararam ser ilegal a
prisão dos agricultores, suspeitos de terem assassinado as estudantes Maria
Clara e Thaís. Segundo eles, o defensor público dos agricultores com um pedido
de habeas-corpus, já que as provas materiais e circunstanciais do inquérito
policial inconsistentes.
O juiz do Farol da Mata, o chefe de Polícia e o delegado especial
preferiam silenciar. A população parece não acreditar que foram os
agricultores. A credibilidade da polícia está em jogo e, pelo adágio popular,
“a voz do povo é a voz de Deus”. O detetive Getúlio, suas investigações,
conseguiu provar que não foram os agricultores os autores do duplo assassinato.
- O promotor está certo. A polícia precisa investigar os filhos dos
ricos. E outra, o garçom disse que no seu depoimento falou que tinha mais dois
rapazes do Recife que tomaram vinho de jenipapo e seguiram a Rural de aluguel
num Maverick.
- Está na cara que os agricultores são inocentes. Por que a polícia não
investiga os bacanas que estavam com as meninas?
Era um dia de sol, bacana, sexta
feira, verão, de fim de setembro. Tarcisa Evangelista, jovem de vinte e seis
anos, estatura mediana com um ar agradável e comunicativa. Conversava com
colegas no afamado Beco da Fama. A maioria eram do curso de psicologia da
Universidade Brasiliense. Naquele ambiente fétido, Tarcisa adquiria experiência
e estudos práticos que, na verdade, eram muito fáceis de se fazer apenas em
teoria. A realidade dos fatos, a vida de muitos jovens naquele antro de
perdição, fazia Tarcisa sofrer o diabo com a ignorância da polícia. Desde
quando uma sua amiga morreu vítima de um paralelepípedo, jogado do oitavo andar
do edifício Néon, onde havia orgias à noite.
(...)
Eram onze horas da noite quando o detetive Getúlio protestou contra a
violência da polícia, quando esta efetuava uma blitz no Beco da Fama:
- Como cidadãos normais que somos, protesto. A nossa cidadania é uma
instituição intocável. Eles (a polícia) ordenam a paralização das músicas,
revistam os freqüentadores e “aconselham” recolher-se às suas casas, esquecendo
nosso direito constitucional de ir e vir! Anormalidade? Estando o país gozando
no estado de não-beligerância, por que imitar o estado hitleriano?
- Dizem que esse aparato todo é por causa das queixas dos moradores
vizinhos.
- O Sargento Dore foi excluído, foi submetido a um conselho de guerra
por ter criado caso com o delegado do distrito.
- Não foi conselho de guerra, não. Foi conselho de disciplina. Ele
estava muito envolvido no contrabando de drogas. Ele tinha um caso amoroso com
Tarcisa, irmã de Thaís que foi assassinada no canavial. A polícia foi informada
de que elas iam sempre ao Beco da Fama. Então, como ele estava com Tarcisa no
dia do crime a polícia ficou no encalço deles. Dada a repercussão do crime das
moças, o fato contribuiu para a sua expulsão da corporação militar.
- O Dore agora é “segurança”.
- O nosso Estado está muito anarquizado. Aos domingos pela manhã,
rapazes vestidos com jaquetas que os identificam como “seguranças” pedem
dinheiro pelo serviço de “polícia” prestado à comunidade. Serviço este que
alegam proteger todos nós contra riscos de assalto, agressões... avalie o que
esse ex-sargento vai pintar e bordar.
- Sábado mesmo, um deles foi agredido por cinco marginais. Toda
vizinhança viu o “segurança” logo cedo bebendo com eles (os marginais). Tudo
farinha do mesmo saco. E o pior é que nós pagamos impostos e não vemos
policiamento na área, nem da Polícia Civil, nem da Militar.
- Eles são conhecidos como a turma do apito! Um saco de gatos...
- Água de coentro...
- Eu tenho medo é se grupos de policiais da Militar e da Civil,
principalmente nos finais de semana, fizerem visitas nos estabelecimentos
comerciais, casas de jogos do bicho, lotérica (se já fazem) e nas nossas
residências, mendigando como os garis em época de festas. Seria o caos, Brasil.
(...)
A psicóloga Tarcisa Evangelista, escreve para Getúlio Medeiros.
Querido Medeirinho
Bom dia
Venho por meio
desta com toda confiança depositada em você. Porém, não confio na polícia,
infelizmente, pois venho sendo interrogada sob tortura psicológica por
elementos da polícia, que não têm qualificação. Estamos sendo, eu e o sargento
Dorivaldo, o “Dore”, suspeitos do assassinato de minha irmã Thaís.
Sendo sabedora que
o sargento Dore está prestes a ser excluído da meganha, e que você esteve com
ele como também esteve na Casa de Saúde onde encontram internados o doutor
Marcos Trova e Dorivaldo, e que ambos estão inocentando os agricultores (como
realmente são inocentes) venho esclarecer o seguinte: primeiro lugar, estou
gostando do sargento Dorivaldo, o Dore, amando-o de verdade, mas acontece que
ele é um alcoólatra, então resolvi sobretudo olhar o meu lado profissional no
campo da psicanálise... Em segundo lugar, confiante no seu espírito de
compreensão supostamente tenho a narrar somente a verdade inocentando Dore, os
agricultores, Dudu e os adolescentes.
Realmente eu estava
com Dore, minha irmã, Maria Clara, Roberto Carneiro o “Filhinho” e Marcos
Trova, numa Rural de aluguel cujo motorista é o velho “Dudu”, que você o
conhece muito bem. Aconteceu que o carro de “Filhinho”, se encontrava nas mãos
de dois adolescentes, sem carteiras de habilitação. Eles seguiram a Rural de
Tracunhanhém até próximo ao Posto da Texaco, ultrapassaram a Rural,
trancando-nos. Um deles pediu para que “Filhinho”, Marcos, Thaís e Maria Clara
descessem e embarcassem no Maverick sob alegação que tinha uma patrulha
rodoviária logo após o posto de gasolina e que agradeceria muito eu e “Dore”
voltarmos na Rural com eles (os adolescentes) para o Recife. Pedido este
aceito. Marcos foi dirigindo o Maverick junto com “Filhinho” e as
meninas.
Nós voltamos
seguindo a estrada para a capital. Paramos no restaurante Carrossel e pedimos
carne de bode sendo servida guisada. Dore não se cansava de decantar os valores
nutritivos da carne de bode. Os adolescentes adoraram o carrossel de
cavalinhos, brincaram como duas crianças... Após três dias encontrei com
“Filhinho” dizendo que Marcos Trova estava internado e que ele iria a Portugal.
Perguntando pelas meninas ele nervosamente disse que as deixaram no Parque do
Prata, com Marcos Trova. Como você já está sabendo que D. Almerinda da Paz
recebeu de “Filhinho” uma estatueta faltando um pedaço do manto de Nossa
Senhora. Cuja estatueta se encontrava na prateleira toda enfeitada com fitas
azuis-celeste, que você se interessou em adquirir naturalmente. Com isto me
veio à memória que a referida estatueta fora comprada por “Filhinho” em
Tracunhanhém, inteira, e que no dia do crime tudo leva a crer que fora partida
conforme “Dore” em conversa amigável com “Filhinho”. Este falou que quando
abriu o porta-malas do carro, a estatueta caiu das mãos de Maria Clara e que,
por sorte, foi quebrado somente um pedaço pequeno que colocou no bolso da calça
para colar posteriormente e que procurou tudo e não mais encontrou e não sabe
como foi que perdeu aquela parte da santa. Como psicóloga estou arrasada com a
morte de minha irmã... Por isso para enfrentar esta situação em que me
encontro, recorro a você, que tanto tem me ajudado nas horas difíceis como
estas. Não está vindo mais ninguém na minha clínica se consultar pedindo
orientação. Tenho pena dos viciados, sempre fiz tratamento para essas pessoas
dependentes do álcool e de psicotrópicos: Infelizmente, estou sem saber o que
fazer para resolver este problema que vem me perturbando fisicamente e
moralmente. Acredito que você já saiba tudo para provar quais foram os
criminosos e inocentar os que irão ao banco dos réus. Tenho certeza, meu
amigão, que você conseguirá que eles confessem o monstruoso crime e através dos
órgãos competentes da imprensa, retratar o que as drogas fazem a um ser
humano...
(ass. Tarcisa)
Com a conclusão do
inquérito que incrimina os agricultores Luiz de Evandro Serafim e Antônio de
Evandro Serafim, o juiz da comarca do Farol da Mata decreta a prisão dos réus.
Antes ficaram trinta dias em celas separadas.
Agora, os dois
irmãos ficarão juntos numa só cela, aguardando o encaminhamento à Casa de
Detenção do Recife.
- Maninho, o que
fizeram com você? – disse Luiz de Evandro.
- ... - Ui, ui... -
Antônio de Evandro soltava gemidos – Ui, ui ..., você foi conversar merda, ui,
agora é tarde, meu Deus!!!
- Qualé a merda?
- Ai! Que dor! Vou
morrer...
- Tudo isso foi
aquele filho da peste do João Salta - Caminho...
- Ai, ai, ele é
vigia, não tem nada a ver...
- Mas, foi dizer à
polícia que a gente sabia...
- Ui, sabia o quê,
home? Você mesmo disse que estava bebendo comigo no canavial, justamente perto
de onde mataram essas moças, que eu não sei nem quem são! Ai!...
- O que foi que
fizeram com você? É dor no peito? Seus guardas! – Gritava Luiz de Evandro –
Socorro, socorra meu irmão, pelo amor de Deus...
- ...
- ...
- ...
- Vamos... meu
velho, tocou foi? Deixa esses porras pra lá!
- Toquei... – tá
bom, tá bom, eu vou ver o que eles querem – disse o carcereiro Japiassu, que
nas horas vagas era cambista de jogo do bicho.
- Diga, meu filho,
o que é que você tem?
- De vez em quando
seu Japiassu, dá umas pontadas aqui no estômago e no peito...
- Espere um
instantinho que eu vou providenciar um remédio... – Japiassu se retira e diz
para os seus companheiros:
- Vou lá na
farmácia de Castim buscar uns comprimidos de metionina pra esses meninos.
Quando eu voltar, trago o quinto pra vocês...
(...)
Ficha Confidencial
Roberto Carneiro das Neves, estudante do curso de direito, conhecido como “Filhinho”, vinte e
dois anos de idade, uma tatuagem de uma âncora no braço esquerdo, solteiro, réu
confesso, temperamento explosivo, fala inglês, toxicômano, serviço militar
primeira categoria, religião católica, desempregado, situação financeira ótima,
automóvel particular Maverick placa 5315-Recife.
Contatos com amigos
e viciados muito além...
Marcos Trova,
médico, vinte e três anos de idade, solteiro, réu confesso, temperamento calmo
quando dopado, fala inglês, francês e espanhol castelhano, toxicômano,
pedófilo, serviço militar terceira categoria, religião não tem, emprego: Pronto
Socorro do Estado, Clínica Particular, Associação da Guarda Civil, situação
financeira ótima, automóvel não tem! Anda nas viaturas do Pronto Socorro e do
Sindicato, contato com amigos e viciados muito além, idem, idem...
No Máxime, à
tardinha, Dorivaldo, Tarcisa e Medeirinho, no tilintar de copos, degustam o bom
vinho com o peixe ensopado, casquinhas de siri e do caviar. A leve brisa
soprando do verde atlântico, continuam a conversar...: “Tarcisa, grande
psicóloga paradoxal. Trata de alcoólatra sem deixar a caipirinha, fazendo uma
apologia ao adágio popular: ‘Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’,
está nessa agora, processada, mas vai sair, temos provas suficientes...”; “...
Caipirinha é boa quando é feita com aguardente, limão, mel e gelo”; “Sabe quem
inventou a caipirinha? “; “Foi o doutor Watson”: “Falar em doutor Watson, dizem
que está pra vir ao Brasil os detetives Hercule Poirot e Sherlock Holmes,
literalmente acham que os nossos trabalhos estão sendo corretos, como manda o
figurino dos detetives imortais. Não será preciso vir ao Brasil desvendar esses
crimes bárbaros que vem acontecendo...”; “... No ‘Xangô de Baker Street’,
Sherlock diz que aprendeu a cheirar cocaína com o médico de Viena, Sigmund
Freud. Juntou-se com a mulata do corpo maravilhoso, Anna Candelária, e o que
vimos foi aquela palhaçada, ensinou até Sherlock a fumar maconha: ‘Tens que
tragar fundo e segurar a fumaça nos pulmões o mais que puderes, ‘Sherlock
Holmes, usou demasiadamente a cannabis sativa... fez eu rir da primeira
página à última. O chefe de polícia desembargador Coelho Bastos... No filme o
Jô Soares numa ponta é uma graça de
escritor...”- disse finalmente a psicóloga Tarcisa Evangelista da Ficção.
(...)
O detetive Getúlio
de Medeiros com o seu filho Medeirinho, se apresentam em juízo. Estavam com as
mais esmeradas aparências, bem barbeados. Getúlio relata os fatos, com
brevidade, falando alto para todo o plenário.
- ...
- O senhor acha que
tudo isto é verdade, e que os réus confessos devem ser condenados?
- Estou aqui
somente para apresentar os fatos resultantes de minhas investigações –
respondeu, educadamente, o detetive Getúlio Medeiros ao Promotor.
Getúlio tira do
bolso do paletó seus apontamentos e pede permissão ao promotor para cita-los.
Sendo consentido pela Juíza após entregar as provas materiais recolhidas pelo
detetive, que são passadas às mãos do promotor e dos advogados, antes de juntar
ao volumoso processo:
a) Uma estatuária
religiosa em terracota, pertencente à comerciante de bebidas alcoólicas,
caftina e traficante de drogas, Almerinda Da Paz, faltando um pedaço, sendo
recolocado no lugar certo (no manto), em
juízo, provando a inocência dos agricultores.
b) Um frasco de
maleato de timolol (solução oftálmica)
colírio usado por Roberto Carneiro das Neves, conhecido por “Filhinho”, por ser
paciente com glaucoma de ângulo aberto. Tomadas as impressões digitais do
frasco encontrado no local do crime com o do uso... O caco de cerâmica
vitrificada, cuidadosamente examinados, constatou ser do senhor Roberto
Carneiro que, junto com o médico Marcos Trova, estupraram e assassinaram as
estudantes Maria Clara e Thaís Evangelista. Ambos assassinos foram presos como
réus confesso e serão condenados ... conforme fotografias, gravações...
Os detetives
Getúlio e Medeirinho tiveram raciocínio indutivo, de fatos particulares.
Tiraram uma conclusão genérica e, pelo raciocínio dedutivo, chegaram a uma
ilação extraída de uma exposição minuciosa.
Estando bêbados no
botequim, houve outros indícios análogos, que provocaram a prisão dos
toxicômanos Roberto Carneiro e Marcos Trova. Mas ao fim contraíram uma febre
maligna e morreram no Manicômio Judiciário. O caso foi arquivado. Juíza,
promotores públicos, ficaram convencidos de que aqueles eram os verdadeiros
assassinos. Por fim, a família dos inocentes agricultores esperam o Estado
indenizar os agricultores, caluniados,
por danos morais e materiais.
*Trechos extraídos
de alguns capítulos do livro: “Drogas & Crimes”. Edição 2003.
** Escritor, poeta e teatrólogo.
Blog
Fiteiro Cultural: http://josecalvino.blogspot.com/
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