quarta-feira, 7 de março de 2012

Drogas & Crimes




                                               Drogas & Crimes*


Em meados de maio, as estudantes Maria Clara e Thaís foram a uma festa na casa de amigos, na cidade do Farol da Mata. Não mais voltando, os pais das jovens avisaram à polícia. Passados oito dias, foram encontradas no canavial, terras de Tracunhaém, em estado de decomposição. Estava ali a marca do crime de homicídio de duas adolescentes do grande Recife.

- Puta merda... – disse o investigador Agamenon.

O destacamento policial de Tracunhaém isolou o local do crime. A Chefatura de Polícia ordena que a delegacia de homicídios envie peritos da polícia científica e um delegado especial e nomeia um delegado especial para desvendar o misterioso caso. Setenta pessoas foram ouvidas para compor o inquérito policial. Dois agricultores foram presos, como possíveis culpados, sendo indiciados, tendo como provas materiais papéis de balas (confeitos), fios de cabelos, vinte comprimidos de Rohypinol, um frasco plástico conta-gotas de tartarato de brimonidina (solução oftálmica), caco de cerâmica vitrificada e vestígios de maconha.
O inquérito policial deu conta de que foram os irmãos agricultores. A família de uma das moças contrata um detetive para elucidar vários aspectos importantes sobre o crime e como os corpos das jovens apareceram no canavial. O detetive Getúlio acende o seu cigarro Astória e faz séries de perguntas aos pais das jovens assassinadas.

- Marreco fugiu da Casa de Detenção:
- De novo?
- Ele compra a polícia, não acredito no que dizem os jornais e rádios, que ele tem uma reza que desaparece!
- Fugiu dentro do guarda-roupa. – disse Pinto da meganha.
- Rapaz, Pinto vai findar preso e excluído como comunista.
Estudantes no Zoológico de Dois Irmãos telefonam para a Central de Polícia:

- Marreco está aqui no Horto de Dois Irmãos.

Para a gozação dos estudantes de agronomia, viaturas da Polícia Militar e Civil foram ao local. Lá chegando estavam as aves palmípedes nadando no lago.
Um investigador de menor chegou a dar um cascudo no menino que vendia amendoins. Somente porque estava rindo com os trotes dos estudantes.

Nos jornais estamparam que a família de uma das moças que foram assassinadas no canavial, contratou um detetive para descobrir os verdadeiros assassinos.
- Ninguém está acreditando no que o chefe de Polícia está dizendo. O inquérito policial está mal feito. A polícia já não tem a credibilidade, perdeu a confiança popular desde quando muitos se envolveram com ladrões e, agora, com esta tal de maconha. Olha, faz até medo a gente falar...
- Quando eu for à capital vou comprar “Recife Sangrento”, do detetive Dunga.
- A polícia proibiu porque se espremer sai sangue.
- A polícia não tem poderes para isso. Só se for a Censura Federal. Assim mesmo, no cumprimento da lei.
- Os agricultores estão presos como bodes expiatórios.
- Menino, e como a polícia não suspeitou do pai de Thaís?
- Ele foi na certa. Olhe, eu acho que ele deveria ser investigado.

O detetive Getúlio, investigando o caso, constatou que o suposto pai de Thaís era padrasto, ficando nesse caso como suspeito. Getúlio conversando com amigos da Thaís, soube que a mesma se drogava e que não considerava o padrasto como pai.
- Vamos vender este apartamento? – disse Amarílio.
- Não, eu morrendo o apartamento é de minha filha. – disse Olga, a mãe de Thaís.
- Filha da Puta, é isto que ela é, vive fumando maconha na casa dos amiguinhos, pensa que eu não sei, é? – disse, neurastênico – Estamos separados, não confie não, que eu posso tomar outra decisão. – disse por fim com voz ofegante.

No depoimento à Polícia Olga deu o seu testemunho, que causou suspeita de que o autor do duplo assassinato teria sido o seu ex-marido Amarílio.

- Todos nós somos assassinos em potencial – generalizando, dizia Getúlio aos seus amigos investigadores de polícia. Sem querer dizer que havia lido o manuscrito de Hercole Poirot – “Cai o pano” de Agatha Christie: .... Todo mundo é um assassino em potencial. Em todo mundo surge, de vez em quando, o desejo de matar,  ainda que não a vontade de matar. Quantas vezes você já não sentiu ou ouviu as pessoas dizerem: “Ele me deixou tão furioso que poderia mata-lo; “Eu poderia ter matado D por ter dito tal a tal coisa”; “Eu estava com tanta raiva que poderia tê-lo estrangulado”. E todas essas afirmações são, literalmente, verdadeiras. A nossa intenção nesses momentos é bastante clara. Você gostaria de matar fulano. Mas você não o faz. Sua vontade tem de estar de acordo com o seu desejo. Em crianças pequenas, o freio ainda não funciona bem. Conheci uma criança que, irritada com seu gatinho, disse: “Fica quieto ou eu te bato na cabeça e te mato” e matou mesmo, para depois ficar atônita e horrorizada quando tomou consciência de que o gatinho não voltaria a viver, porque, você vê, na realidade a criança adora o gatinho.
Pois então, somos todos assassinos em potencial...”

- Eu mesmo não sou assassino – disse fulano.
- Nunca matei ninguém – disse sicrano.
- Mato bandido, se aparecer – disse beltrano.
Getúlio, filosofando à sua maneira:
- Os corruptos se vendem facilmente por dinheiro. Quantos politiqueiros da pior espécie estão no poder? Sempre estão se locupletando no governo. Nas batidas policiais morrem pessoas inocentes, sob alegação de que foi “bala perdida”. Entretanto, quando um policial é atingido, foram os bandidos que atiraram? Ora, neste caso a polícia não erra o alvo. Somente os bandidos favelados  é que erram? Se a polícia já chega atirando, querem o que, então? Acabar com a vida dos pobres? Será que todos favelados são bandidos?

- Ele é cheio de goga...
- Puxava a meia nos cinemas com as costas da mão e alisava as pernas das meninas.
- Era um tarado. O seu tio foi o primeiro travesti do Recife, sabia?
- Não. O português da imobiliária era um pedófilo. Andava com meninos à beça e todos o tratavam de tio. Concordo com você que realmente o português foi o primeiro travesti do Recife. Antigamente, ele se vestia como mulher. Se não fosse pela voz passaria por uma mulher tranqüilamente. Mas, com certeza, eu digo, o português não era tio do Amarílio. Como atualmente, os meninos chamam as professoras de tia!

- Olhai!, as minhas borboletas douradas – dizia o “portuga” com a meninada.

Todo comentário era sobre Amarílio, quando em sua juventude se dava ao vício de aspirar éter para se embriagar. Bebia muito e, quando se via em estado de embriaguez, cheirava amoníaco...
- Fico bonzinho da silva – dizia Amarílio aos tombos.
- O filho de Elza maconheira, companheira do português, fora assassinado por Amarílio. Sabia?
Amarílio tinha uma tatuagem de uma âncora no braço direito. Era discriminado e tratado como maconheiro por ter feito aquela tatuagem na residência dos ciganos (lugar onde existia o tráfico de drogas). A polícia era conivente com aqueles ciganos. Alguns (dependentes químicos) jovens dos bairros adjacentes compravam drogas na casa dos ciganos. Aquela boca-de-fumo era visitada pela polícia constantemente e alguns eram comprometidos com aquele comércio ilegal. Os primeiros bodes expiatórios foram os viciados, que residiam nos morros e nos córregos.
Nos anos sessenta a maconha começou a proliferar por todo o Recife.

Getúlio Medeiros Filho, vinte e cinco anos, desempregado, começou a trabalhar na agência de detetives do seu pai. Percebendo logo o tirocínio do filho para investigar crimes, comportamentos e atos das pessoas, foi designado a desvendar o crime do canavial. Devido ao descaso da polícia, ficou fazendo investigações paralelas. Getúlio Filho, mais conhecido como Medeirinho, começou a sua primeira diligência no boteco de Arribação, conhecida boca-de-fumo no Beco da Fama, na Boa Vista.

Jovens estudantes ficavam naquele antro de perdição, cheio de viciados em álcool, drogas e jogos de azar. Getúlio Filho visitou um jovem internado, que estava delirando na Casa de Saúde, inocentando os dois agricultores como autores do crime do canavial.

- Eu acho que essas moças foram estupradas, mortas e jogadas no canavial. O motivo, evidentemente, foi por elas conhecerem os autores e como queima de arquivo. – disse um amigo da família da Maria Clara.
- Concordo em gênero, número e grau com você. E digo mais: embora não possa acusar ninguém, por falta de provas. Mas, não dá a entender que foi gente do ciclo de amizades delas?
- E a mãe de Maria Clara nunca ouviu falar de Thaís. Acredita até que era amizade recente, porque na festa dos quinze anos no ano passado a Thaís não estava presente.
- Os psicotrópicos encontrados próximo aos cadáveres davam conta de que os assassinos eram toxicômanos.
- Vamos pegar a sopa no Beco da Fome? – disse Ralphe, referindo-se a fome dos viciados.
- Eu vou pedir uma média com pão e manteiga.
- A sopa é barata, um cruzeiro, e vem acompanhada com pão francês. – disse finalmente Ralphe Day.
Daí em diante, o Beco ficou mais conhecido como: “Beco da Fome”.
Em Tracunhaém, próximo ao canavial onde encontraram os cadáveres de Maria Clara e Thaís, estava a polícia constrangendo as pessoas e agindo com truculência na prisão dos agricultores e sem apresentação de mandados.

- Não sei, não, sinhô! – disse Ismael dos povos.
- Sinceramente, eu tenho medo da polícia. – disse Pátria de Aruanda.
- Eu também, não viu o afilhado do doutor Chico? Como o pobrezinho sofreu torturas, meu Deus do céu. – disse Negro da África.

- Se Deus quiser, os nossos filhos serão inocentados. – disse Maria Mulata.
- Mulher, o homem põe e Deus dispõe. – disse Morena Formosa.
- Não denuncio porque tenho medo de represálias da polícia. – disse Negra Aparecida.
- Eles fazem isso tudo com a gente, por que eles não fazem com os filhinhos-do-papai, que são amigos delas? – disse Nazaré, referindo-se aos jovens que participaram da festa na casa-de-campo, onde houve consumo de álcool, drogas e prática de atos libidinosos na noite anterior, quando as estudantes Maria Clara e Thaís, ambas com dezesseis anos, desapareceram no dia seguinte, e foram encontradas mortas, após oito dias...

O garçom da Capela Show contou ao detetive Medeirinho que duas garotas, parecidas com Maria e Thaís, estiveram no bar com dois rapazes e que um deles possuía uma tatuagem de uma âncora no braço esquerdo (adolescentes e tatuagem, foi descartada a possibilidade do detetive Getúlio continuar suspeitando de Amarílio). Prosseguindo, o garçom revelou que prestou depoimento na delegacia de polícia do Farol, relatando que as duas jovens eram parecidas com as meninas das fotos. Não afirmando que eram elas. Dizendo ainda à polícia que os jovens a quem atendeu estavam com um casal em uma Rural Willys. Sendo identificado como sendo carro de praça do Farol da Mata.

 Os Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil e do Fórum Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, declararam ser ilegal a prisão dos agricultores, suspeitos de terem assassinado as estudantes Maria Clara e Thaís. Segundo eles, o defensor público dos agricultores com um pedido de habeas-corpus, já que as provas materiais e circunstanciais do inquérito policial inconsistentes.

O juiz do Farol da Mata, o chefe de Polícia e o delegado especial preferiam silenciar. A população parece não acreditar que foram os agricultores. A credibilidade da polícia está em jogo e, pelo adágio popular, “a voz do povo é a voz de Deus”. O detetive Getúlio, suas investigações, conseguiu provar que não foram os agricultores os autores do duplo assassinato.

- O promotor está certo. A polícia precisa investigar os filhos dos ricos. E outra, o garçom disse que no seu depoimento falou que tinha mais dois rapazes do Recife que tomaram vinho de jenipapo e seguiram a Rural de aluguel num Maverick.
- Está na cara que os agricultores são inocentes. Por que a polícia não investiga os bacanas que estavam com as meninas?

 Era um dia de sol, bacana, sexta feira, verão, de fim de setembro. Tarcisa Evangelista, jovem de vinte e seis anos, estatura mediana com um ar agradável e comunicativa. Conversava com colegas no afamado Beco da Fama. A maioria eram do curso de psicologia da Universidade Brasiliense. Naquele ambiente fétido, Tarcisa adquiria experiência e estudos práticos que, na verdade, eram muito fáceis de se fazer apenas em teoria. A realidade dos fatos, a vida de muitos jovens naquele antro de perdição, fazia Tarcisa sofrer o diabo com a ignorância da polícia. Desde quando uma sua amiga morreu vítima de um paralelepípedo, jogado do oitavo andar do edifício Néon, onde havia orgias à noite.

(...)


Eram onze horas da noite quando o detetive Getúlio protestou contra a violência da polícia, quando esta efetuava uma blitz no Beco da Fama:

- Como cidadãos normais que somos, protesto. A nossa cidadania é uma instituição intocável. Eles (a polícia) ordenam a paralização das músicas, revistam os freqüentadores e “aconselham” recolher-se às suas casas, esquecendo nosso direito constitucional de ir e vir! Anormalidade? Estando o país gozando no estado de não-beligerância, por que imitar o estado hitleriano?
- Dizem que esse aparato todo é por causa das queixas dos moradores vizinhos.
- O Sargento Dore foi excluído, foi submetido a um conselho de guerra por ter criado caso com o delegado do distrito.
- Não foi conselho de guerra, não. Foi conselho de disciplina. Ele estava muito envolvido no contrabando de drogas. Ele tinha um caso amoroso com Tarcisa, irmã de Thaís que foi assassinada no canavial. A polícia foi informada de que elas iam sempre ao Beco da Fama. Então, como ele estava com Tarcisa no dia do crime a polícia ficou no encalço deles. Dada a repercussão do crime das moças, o fato contribuiu para a sua expulsão da corporação militar.

- O Dore agora é “segurança”.
- O nosso Estado está muito anarquizado. Aos domingos pela manhã, rapazes vestidos com jaquetas que os identificam como “seguranças” pedem dinheiro pelo serviço de “polícia” prestado à comunidade. Serviço este que alegam proteger todos nós contra riscos de assalto, agressões... avalie o que esse ex-sargento vai pintar e bordar.
- Sábado mesmo, um deles foi agredido por cinco marginais. Toda vizinhança viu o “segurança” logo cedo bebendo com eles (os marginais). Tudo farinha do mesmo saco. E o pior é que nós pagamos impostos e não vemos policiamento na área, nem da Polícia Civil, nem da Militar.
- Eles são conhecidos como a turma do apito! Um saco de gatos...
- Água de coentro...
- Eu tenho medo é se grupos de policiais da Militar e da Civil, principalmente nos finais de semana, fizerem visitas nos estabelecimentos comerciais, casas de jogos do bicho, lotérica (se já fazem) e nas nossas residências, mendigando como os garis em época de festas. Seria o caos, Brasil.

(...)

A psicóloga Tarcisa Evangelista, escreve para Getúlio Medeiros.


Querido Medeirinho

Bom dia

Venho por meio desta com toda confiança depositada em você. Porém, não confio na polícia, infelizmente, pois venho sendo interrogada sob tortura psicológica por elementos da polícia, que não têm qualificação. Estamos sendo, eu e o sargento Dorivaldo, o “Dore”, suspeitos do assassinato de minha irmã Thaís.

Sendo sabedora que o sargento Dore está prestes a ser excluído da meganha, e que você esteve com ele como também esteve na Casa de Saúde onde encontram internados o doutor Marcos Trova e Dorivaldo, e que ambos estão inocentando os agricultores (como realmente são inocentes) venho esclarecer o seguinte: primeiro lugar, estou gostando do sargento Dorivaldo, o Dore, amando-o de verdade, mas acontece que ele é um alcoólatra, então resolvi sobretudo olhar o meu lado profissional no campo da psicanálise... Em segundo lugar, confiante no seu espírito de compreensão supostamente tenho a narrar somente a verdade inocentando Dore, os agricultores, Dudu e os adolescentes.
Realmente eu estava com Dore, minha irmã, Maria Clara, Roberto Carneiro o “Filhinho” e Marcos Trova, numa Rural de aluguel cujo motorista é o velho “Dudu”, que você o conhece muito bem. Aconteceu que o carro de “Filhinho”, se encontrava nas mãos de dois adolescentes, sem carteiras de habilitação. Eles seguiram a Rural de Tracunhanhém até próximo ao Posto da Texaco, ultrapassaram a Rural, trancando-nos. Um deles pediu para que “Filhinho”, Marcos, Thaís e Maria Clara descessem e embarcassem no Maverick sob alegação que tinha uma patrulha rodoviária logo após o posto de gasolina e que agradeceria muito eu e “Dore” voltarmos na Rural com eles (os adolescentes) para o Recife. Pedido este aceito. Marcos foi dirigindo o Maverick junto com “Filhinho” e as meninas.

Nós voltamos seguindo a estrada para a capital. Paramos no restaurante Carrossel e pedimos carne de bode sendo servida guisada. Dore não se cansava de decantar os valores nutritivos da carne de bode. Os adolescentes adoraram o carrossel de cavalinhos, brincaram como duas crianças... Após três dias encontrei com “Filhinho” dizendo que Marcos Trova estava internado e que ele iria a Portugal. Perguntando pelas meninas ele nervosamente disse que as deixaram no Parque do Prata, com Marcos Trova. Como você já está sabendo que D. Almerinda da Paz recebeu de “Filhinho” uma estatueta faltando um pedaço do manto de Nossa Senhora. Cuja estatueta se encontrava na prateleira toda enfeitada com fitas azuis-celeste, que você se interessou em adquirir naturalmente. Com isto me veio à memória que a referida estatueta fora comprada por “Filhinho” em Tracunhanhém, inteira, e que no dia do crime tudo leva a crer que fora partida conforme “Dore” em conversa amigável com “Filhinho”. Este falou que quando abriu o porta-malas do carro, a estatueta caiu das mãos de Maria Clara e que, por sorte, foi quebrado somente um pedaço pequeno que colocou no bolso da calça para colar posteriormente e que procurou tudo e não mais encontrou e não sabe como foi que perdeu aquela parte da santa. Como psicóloga estou arrasada com a morte de minha irmã... Por isso para enfrentar esta situação em que me encontro, recorro a você, que tanto tem me ajudado nas horas difíceis como estas. Não está vindo mais ninguém na minha clínica se consultar pedindo orientação. Tenho pena dos viciados, sempre fiz tratamento para essas pessoas dependentes do álcool e de psicotrópicos: Infelizmente, estou sem saber o que fazer para resolver este problema que vem me perturbando fisicamente e moralmente. Acredito que você já saiba tudo para provar quais foram os criminosos e inocentar os que irão ao banco dos réus. Tenho certeza, meu amigão, que você conseguirá que eles confessem o monstruoso crime e através dos órgãos competentes da imprensa, retratar o que as drogas fazem a um ser humano...

(ass. Tarcisa)


Com a conclusão do inquérito que incrimina os agricultores Luiz de Evandro Serafim e Antônio de Evandro Serafim, o juiz da comarca do Farol da Mata decreta a prisão dos réus. Antes ficaram trinta dias em celas separadas.
Agora, os dois irmãos ficarão juntos numa só cela, aguardando o encaminhamento à Casa de Detenção do Recife.

- Maninho, o que fizeram com você? – disse Luiz de Evandro.
- ... - Ui, ui... - Antônio de Evandro soltava gemidos – Ui, ui ..., você foi conversar merda, ui, agora é tarde, meu Deus!!!
- Qualé a merda?
- Ai! Que dor! Vou morrer...
- Tudo isso foi aquele filho da peste do João Salta - Caminho...
- Ai, ai, ele é vigia, não tem nada a ver...
- Mas, foi dizer à polícia que a gente sabia...
- Ui, sabia o quê, home? Você mesmo disse que estava bebendo comigo no canavial, justamente perto de onde mataram essas moças, que eu não sei nem quem são! Ai!...
- O que foi que fizeram com você? É dor no peito? Seus guardas! – Gritava Luiz de Evandro – Socorro, socorra meu irmão, pelo amor de Deus...
- ...
- ...
- ...
- Vamos... meu velho, tocou foi? Deixa esses porras pra lá!
- Toquei... – tá bom, tá bom, eu vou ver o que eles querem – disse o carcereiro Japiassu, que nas horas vagas era cambista de jogo do bicho.
- Diga, meu filho, o que é que você tem?
- De vez em quando seu Japiassu, dá umas pontadas aqui no estômago e no peito...
- Espere um instantinho que eu vou providenciar um remédio... – Japiassu se retira e diz para os seus companheiros:
- Vou lá na farmácia de Castim buscar uns comprimidos de metionina pra esses meninos. Quando eu voltar, trago o quinto pra vocês...

(...)

Ficha Confidencial

Roberto Carneiro das Neves, estudante do curso de direito, conhecido como “Filhinho”, vinte e dois anos de idade, uma tatuagem de uma âncora no braço esquerdo, solteiro, réu confesso, temperamento explosivo, fala inglês, toxicômano, serviço militar primeira categoria, religião católica, desempregado, situação financeira ótima, automóvel particular Maverick placa 5315-Recife.
Contatos com amigos e viciados muito além...

Marcos Trova, médico, vinte e três anos de idade, solteiro, réu confesso, temperamento calmo quando dopado, fala inglês, francês e espanhol castelhano, toxicômano, pedófilo, serviço militar terceira categoria, religião não tem, emprego: Pronto Socorro do Estado, Clínica Particular, Associação da Guarda Civil, situação financeira ótima, automóvel não tem! Anda nas viaturas do Pronto Socorro e do Sindicato, contato com amigos e viciados muito além, idem, idem...

No Máxime, à tardinha, Dorivaldo, Tarcisa e Medeirinho, no tilintar de copos, degustam o bom vinho com o peixe ensopado, casquinhas de siri e do caviar. A leve brisa soprando do verde atlântico, continuam a conversar...: “Tarcisa, grande psicóloga paradoxal. Trata de alcoólatra sem deixar a caipirinha, fazendo uma apologia ao adágio popular: ‘Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’, está nessa agora, processada, mas vai sair, temos provas suficientes...”; “... Caipirinha é boa quando é feita com aguardente, limão, mel e gelo”; “Sabe quem inventou a caipirinha? “; “Foi o doutor Watson”: “Falar em doutor Watson, dizem que está pra vir ao Brasil os detetives Hercule Poirot e Sherlock Holmes, literalmente acham que os nossos trabalhos estão sendo corretos, como manda o figurino dos detetives imortais. Não será preciso vir ao Brasil desvendar esses crimes bárbaros que vem acontecendo...”; “... No ‘Xangô de Baker Street’, Sherlock diz que aprendeu a cheirar cocaína com o médico de Viena, Sigmund Freud. Juntou-se com a mulata do corpo maravilhoso, Anna Candelária, e o que vimos foi aquela palhaçada, ensinou até Sherlock a fumar maconha: ‘Tens que tragar fundo e segurar a fumaça nos pulmões o mais que puderes, ‘Sherlock Holmes, usou demasiadamente a cannabis sativa... fez eu rir da primeira página à última. O chefe de polícia desembargador Coelho Bastos... No filme o Jô Soares  numa ponta é uma graça de escritor...”- disse finalmente a psicóloga Tarcisa Evangelista da Ficção.

(...)

O detetive Getúlio de Medeiros com o seu filho Medeirinho, se apresentam em juízo. Estavam com as mais esmeradas aparências, bem barbeados. Getúlio relata os fatos, com brevidade, falando alto para todo o plenário.

- ...
- O senhor acha que tudo isto é verdade, e que os réus confessos devem ser condenados?
- Estou aqui somente para apresentar os fatos resultantes de minhas investigações – respondeu, educadamente, o detetive Getúlio Medeiros ao Promotor.
Getúlio tira do bolso do paletó seus apontamentos e pede permissão ao promotor para cita-los. Sendo consentido pela Juíza após entregar as provas materiais recolhidas pelo detetive, que são passadas às mãos do promotor e dos advogados, antes de juntar ao volumoso processo:

a) Uma estatuária religiosa em terracota, pertencente à comerciante de bebidas alcoólicas, caftina e traficante de drogas, Almerinda Da Paz, faltando um pedaço, sendo recolocado no lugar certo  (no manto), em juízo, provando a inocência dos agricultores.
b) Um frasco de maleato de timolol  (solução oftálmica) colírio usado por Roberto Carneiro das Neves, conhecido por “Filhinho”, por ser paciente com glaucoma de ângulo aberto. Tomadas as impressões digitais do frasco encontrado no local do crime com o do uso... O caco de cerâmica vitrificada, cuidadosamente examinados, constatou ser do senhor Roberto Carneiro que, junto com o médico Marcos Trova, estupraram e assassinaram as estudantes Maria Clara e Thaís Evangelista. Ambos assassinos foram presos como réus confesso e serão condenados ... conforme fotografias, gravações...

Os detetives Getúlio e Medeirinho tiveram raciocínio indutivo, de fatos particulares. Tiraram uma conclusão genérica e, pelo raciocínio dedutivo, chegaram a uma ilação extraída de uma exposição minuciosa.


Estando bêbados no botequim, houve outros indícios análogos, que provocaram a prisão dos toxicômanos Roberto Carneiro e Marcos Trova. Mas ao fim contraíram uma febre maligna e morreram no Manicômio Judiciário. O caso foi arquivado. Juíza, promotores públicos, ficaram convencidos de que aqueles eram os verdadeiros assassinos. Por fim, a família dos inocentes agricultores esperam o Estado indenizar os agricultores, caluniados,  por danos morais e materiais.


*Trechos extraídos de alguns capítulos do livro: “Drogas & Crimes”. Edição 2003.

** Escritor, poeta e teatrólogo.
     Blog Fiteiro Cultural: http://josecalvino.blogspot.com/

  

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