João preguiça
Por José Calvino
João Belarmino
Brasileiro da Silva, mais conhecido por “João Preguiça”, era o tipo de pessoa
que não tinha nada de preguiçoso. Não raro para os que se acordam às cinco da
matina era encontrá-lo tirando areia com uma pá de um riachinho próximo à Rua
da Harmonia, bairro de Casa Amarela-Recife. Quando terminava aquela tarefa ia
para casa tomar banho e tomar o seu café da manhã.
Um ser humano que
não deveria ter esse apelido, porque ao contrário do que parecia,sempre foi um
exemplo de um homem trabalhador. A areia ele tirava para a construção de sua
pequena casa. Tirava logo cedo para evitar proibições e, mesmo assim, ele
organizava os livros para em seguida orientar os divulgadores, que na realidade
eram vendedores de livros. Não deveriam era catalogá-lo no rol dos malandros.
Seu corpo forte e atraente para as mulheres, era um modelo de beleza. Os
invejosos diziam:
- Esse João
Preguiça é um negro pernóstico.
Só tem a pose, mas
antes de conhecê-lo pessoalmente todos ficavam admirados com seu modo de vida.
Era “João Preguiça” que liderava uma turma de rapazes para a venda de livros.
Diziam os semianalfabetos:
- Esse João
Preguiça só faz comandar a equipe de
vender livros de comunistas.
- Na ditadura
militar ele já foi preso vendendo livros marxistas. Levou um pau danado na
delegacia de polícia.
- Ele tá brincando
com a polícia, só vai no pau mesmo. É por isso que esse Brasil não vai pra
frente!
- No Brasil devia
ter pena de morte! – disse um militar da reserva do Exército. Esse militar
nunca leu do filósofo Albert Camus: “A execução da pena de morte é o mais
premeditado dos assassinatos.”
- E não é que ele
já tentou entrar na polícia? Um vagabundo daquele querendo entrar como falso
solteiro. Mas, a gente disse logo ao capitão sindicante que ele era casado e
subversivo. O capitão, conversando com os vizinhos dele, ouviu: “João Preguiça
entrar na polícia?”
Bem, o que vocês
acham do João Brasileiro (era como eu lhe tratava), ele era preguiçoso? Acho
que não. A meu ver, a culpa é dos governos Federal, Estadual e Municipal. Estão sem moral. Por
que? Nunca investiram na educação, saúde e emprego dignos!!! No tocante ao
mesmo querer entrar para a polícia, era justamente pela falta de emprego. E ele
achou, por uma parte, até bom e fez ver ao capitão como o nosso povo gosta de
ver o próximo prejudicado. Se na Polícia Militar só entrasse casado, esse mesmo
povo iria dizer então, com certeza, que ele era amasiado. João tinha
experiências em vendas de livros, mas continuando no mesmo ofício, esquecer ? Ficava
difícil. Só se fosse um demente. Pessimista? Ele não era, nem nas conversas
informais. Apenas era sincero. Foi num bar no bairro do Recife, numa tarde, que
ele foi vender o meu livro “O pai do Chupa”, a um casal de magistrados (sic), quando
o suposto juiz perguntou: “Chupa o quê?” João explicou que se tratava de um cais que hoje se chama
Cais José Estelita. O dito casal, rindo a valer, repetia: “Mas chupa o quê?”, e
João calmamente continuava explicando que era uma draga de sucção para aumentar
o calado do cais. Aquilo foi
irritando-o, de tanto explicar. Então, pausadamente:
- Ele chupava
laranja, picolé, manga... - entrecortou novamente o dito cujo – E mais o quê?
- Boceta, chupavam
o pênis, que hoje vocês chamam de “caralho”!
As duas ficaram
histéricas, chamaram a polícia e afirmaram estarem surpresos com a violência
que campeia pelo Grande Recife.
- Prendam esse
individuo, ele está desrespeitando a sociedade com esse livro imoral!
Realmente,
divulgar livros ou vender é muito humilhante. Principalmente sendo do próprio
autor. Eu digo isto porque já saí pelo Brasil afora e vendi todos os meus
livros. Infelizmente, o nosso povo não tem o hábito de ler e quando você os
cumprimenta, a maioria faz sinal negativo com o dedo indicador ou vem com graça, como se o autor estivesse
mendigando. Foi o caso que aconteceu com
o João Brasileiro com o casal de imbecis. Eu não iria mais bancar os meus
livros, mas como havia começado a escrever “Jesus”, sem pretensão de ser uma
obra teológica ou mesmo tomar partido em conflitos religiosos... mesmo sabendo
que praticamente quase ou ninguém prestigia o autor independente. A Prefeitura
do Recife decidiu por acabar com o Sistema de Incentivo à Cultura, que para mim
era uma piada, incentivo sim para os apadrinhados. A Fundação de Cultura é um verdadeiro
cabide de emprego. Então, este ano resolvi bancar mais uma vez a edição do
referido livro. O carnaval da capital pernambucana já começou com a secretária
de Cultura dizendo: “Tenho pena de quem
não gosta de carnaval.” Eu por exemplo gosto. Mas, é a violência que o casal de
magistrados disse na ocasião que chamaram a polícia para João Brasileiro que
revela que mesmo os formados podem ser mal informados pela falta de leitura. O
interesse do poder público agora é com a
decoração inspirada nas raízes da folia recifense. Pernambuco ainda é um Estado
de “ Sabe com quem está falando?”
Bem, se contar tudo nesta crônica dará um
livro. Este ano não pretendo assistir o povão alegre, acompanhando o Galo,
registrado no “Guinness Book” há 20 anos como a maior agremiação carnavalesca
do planeta. O Galo da Madrugada reúne cerca de 1,5 milhão de pessoas (sic),
saindo do Forte das Cinco Pontas pelas ruas do Recife.
Será que neste ano o carnaval será tranqüilo?
No ano passado, quase 600 ônibus foram depredados por vândalos durante os
festejos de momo. Assisti algumas vítimas da violência sem o chamado “Socorro
de Urgência”.
Uma moça levou uma cotovelada no rosto e pararam uma viatura da Polícia, que não prestou socorro sob alegação de que este é um serviço do SAMU! E a lei que trata da perturbação sonora, que estabelece o limite de não superior a 80 decibéis?, os mal educados acham que sendo Carnaval, pode!!! Cadê as autoridades?
A marcha, em Paris, em defesa dos históricos
valores republicanos, e particularmente pela Liberdade...
Acordei com um sonho, era João divulgando o
meu livro “Jesus” no Recife e em Paris. Uma jornalista linda, competente,
irresistível com aqueles olhos lindos, comunicativa e que, antes de me
entrevistar com o celular na mão, eu lhe disse:
- Estou com preguiça, não consigo resistir.
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