terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Recife & Olinda

                                               
  Recife & Olinda 

Por José Calvino de Andrade Lima


“Do Recife
De Olinda
Das pontes
Das praias
Dos coqueiros
Das gaivotas

Dos carnavais
Dos bares
Das jangadas
Das cirandas
Dos amores

Do poema
Da lua
Do sol
Dos arrecifes
Dos morros
Das cidades,
cenário encantador,
evoca Recife e Olinda.” 

23 de dezembro de 2007. Um poema fora feito em parceria com um amigo, na praia de Pau Amarelo. Como é gratificante ter amigos... Fiquei emocionado com o seu estilo poético e com sua visão. Cenário encantador, ele evocava Recife e Olinda em tempo tão curto para uma elaboração mental e o desenvolvimento de um poema tão bem escrito! Valeu, poetamigo, você se coloca nessa seqüência de imagens poéticas, sintetizando sua força criativa na construção da seqüência e seu caráter performático.

O uso poético contribui para o potencial da pintura, da fotografia, da filmagem, enfim, foi para mim uma investigação tecnológica, um ensinamento que retrata com sucesso o tema: Recife & Olinda. O mar de Pau Amarelo, leitoramiga, refletindo um céu azul luminosamente ensolarado, com uma brisa praieira, o jangadeiro rolando na praia a jangada pro mar... Pensei, se Dostoievski estivesse aqui, será que teria escrito Crime e Castigo? Acho que no mínimo, O Pai do Chupa, esse poema Recife & Olinda, que retrata, acredito, o clímax entre essas duas cidades.

No final da tarde fui parar no Beco da Fome e fiquei ouvindo Azambujanra recitar “O frustrado”:

“ Se eu fosse adulador não viveria às portas da loucura ou da miséria; eu viveria na mansão Tibérica: Do ódio, da paixão e da porfia. Sem o meu sangue, vivesse a covardia de bajular o lodo da matéria; eu extrairia a principal artéria e esse sangue covarde morreria; se eu vivesse atrás dessa gentalha, eu venceria as principais batalhas melhor que Aníbal, César e Cipião. Mas como nada disso sei fazer; sou um frustrado e vivo a padecer... Sem escalar o Monte de Sião.”

(Do livro: O grande comandante, p. 103 – ed. 1981)

Azambujanra encerra recitando o Poema do Beco, de Manuel Bandeira:

“Que importa
A paisagem,
A glória, a baía,
A linha do horizonte?

- O que eu vejo é o beco.
                                                

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Pampam qüim




Pampam qüim...

Terça feira, último dia de carnaval. Em Olinda, nem tudo é folia. Para mim, em especial, isso é uma tristeza. Sempre quando passo no bairro de Bonsucesso e vejo o antigo sítio do mesmo nome abandonado, sem seus leões (eram duas estatuetas na entrada), o caramanchão, as árvores frutíferas... Hoje o sítio é considerado patrimônio histórico da cidade e Patrimônio Cultural da Humanidade. Antes, porém, já foi invadido pelos crentes da igreja “Exército de Salvação”. Mas, aí já é outra história. Conversando com a vizinhança sobre a família Pampam qüim, riram muito quando contei que minha mãe sempre relembrava o porquê do apelido: foi a primeira família da rua do Bonsucesso a possuir um piano (quem tinha era considerada rica). Mas, como não saíam desse ritmo (Pampam qüim, pampam qüim...), os populares quando passavam na rua criticavam com deboches. Pesquisando, não encontrei nada sobre os Pampam... Apenas transcrevo um trecho do livro Aonde Iremos Nós?, pp. 32-3 – Edição esgotada: “(...) Aproveitando a ocasião, aproximou-se do arcaico toalete que ganhara de D. Leda, sua avó, e começou a pentear-se admirando-se no espelho amarrotado e foi-se até o bar da viúva Tânia, sua amante de longos anos. A casa onde viviam ficava no Sítio do Bonsucesso, em Olinda. A família do seu padrinho era conhecida por “pampam-qüim”, por haver chamado atenção do povo daquele bairro o toque do teclado do piano só sair pampam-qüim...qüim, qüim... João de Deus sabia que seu padrinho estava prestes a vender o sítio, até que um dia ludibriou a sua mãe na “multa dos dois defuntos”. Pai e esposo compartilharam com a negociata vantajosa, para satisfazer aos seus desejos, perdendo ela, além do valioso sítio que havia ficado de herança, duas estatuetas que representavam dois leões na entrada do sítio, cujo valor não se podia calcular...”
Se me permitem, finalizo com “Noites Olidenses”:
Olinda, ladeiras de pedra...
mangueira nos quintais,
luz e mar. Recife tão perto!

Olinda/Recife, 2009 – p. 118 do livro Fiteiro Cultural, ed. 2011

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Recife & Olinda




Recife & Olinda*



** Por José Calvino e Clóvis Campêlo



Do Recife
vi os altos coqueiros,
soberbo estendal;
De Olinda,
escutei os guerreiros,
Marim dos Caetés;
Das pontes
vi o rio caudaloso,
correndo incessante;
Das praias
vi o peixe amarelo,
a cauda de Iemanjá;
Dos coqueiros,
vi o sol nascendo,
prometendo um novo dia;
Das gaivotas,
vi o vôo livre, rasante,
cortando o ar.

Dos carnavais,
vivi fantasias e
bebi alegrias;
Dos bares
curti o som festivo
e revi companheiros;
Das jangadas,
vi a luta dos homens
em busca da vida;
Das cirandas,
vi o rosto do povo,
dançando e
cantando a alegria;
Dos amores,
vivi as ilusões
de grandes paixões.

Do poema,
vesti-me de versos;
Da lua,
mergulhei no espaço;
Do sol,
alimentei a
minh'alma;
Dos arrecifes, avistei e
amei a cidade;
Dos morros,
deslumbrei horizontes
e decifrei a
planície.



* Obs.: Poema feito em conjunto na praia de Pau Amarelo - domingo, 23.12.2007.Extraído do livro Fiteiro Cultural, pp. 141-3 (Comentários: pp. 143/147- idem nos blogs Poetas Independentes/Literário).
 ** José Calvino de Andrade Lima, escritor, teatrólogo e poeta pernambucano e Clóvis Campelo, poeta pernambucano

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Profissão: Escritor



 Profissão: Escritor 


“Ao combativo e nunca assaz louvado escritor e antropólogo José Calvino, com a homenagem dos missivistas do JC”


Esta dedicatória foi do então editor de “Cartas à Redação” do Jornal do Commercio, quando lançou em 1998 o livro “Cartas Pernambucanas” (Missivistas do JC). Na época foi publicado “Iniciativa dos missivistas”, JC 12/08/98: “Recebi duas cartas da editora Comunicarte tratando da edição de livro com dados biográficos de missivistas do JC e uma carta inédita ou não, a ser lançada este ano, em comemoração à Semana Nacional da Imprensa. Em segunda carta veio o total do orçamento para tiragem de mil exemplares do ‘curioso livro’. Remetendo as matérias solicitadas (é uma vergonha, deveria ser remunerado), e como não obtiveram apoio cultural (que é o difícil), pretendem então ‘empurrar’ 50 exemplares ao preço unitário de R$ ... (questão de ética deixo de mencionar o preço), visando exclusivamente ao mercantilismo, como se fôssemos profissionais de venda de livros! A meu ver, antes de o livro ir ao prelo mudar o título, o setor de marketing deveria ser consultado para que os supostos leitores saibam que não houve patrocínio! Somente o nome de editora que imprimir, é claro. Por lei, todos os livros trazem o nome da editora onde são impressos. * José Calvino.”
Estou falando do saudoso jornalista José do Patrocínio Oliveira, decano do JC. Quem vive como eu, evitando grupos de subservientes “intelectuais” com conchavos, a fim de obter favores, permita-me registrar algumas inconfidências. Num país onde todos são iguais perante a lei, a decepção é grande. Em termos de Brasil, ser escritor ou poeta numa nação cheia de analfabetos e semi-analfabetos, fica ainda mais difícil, e como!!! Os referidos têm apenas uma pequena noção das coisas, são cheios de superstições, de preconceitos, crendices e sem cultura que possibilite a tomada de decisões. Na minha opinião, são como fantoches. Manipulados pelo sistema, crescem, comem, e morrem, esquecidos. Acredito que 50% dos brasileiros alfabetizados não têem o hábito de ler. Muitos leem mal e dificilmente entram numa livraria, nunca assistem a uma peça de teatro,,, (não leem sequer um jornal)!!! A conversa é mais sobre futebol, bebidas... É uma perda de tempo discutir essas coisas! Sobre a bebida não faço apologia, até porque eu acho que seja uma das drogas mais prejudiciais ao ser humano. Só porque é oficializada? Há quem despreze os escritores. Principalmente num regime ditatorial (toda ditadura é perversa)!!! Tomei conhecimento, alguns anos passados, que um célebre romancista..., interpelado por um inspetor da alfândega de Berlim, sobre sua profissão, respondeu “escritor”, tendo o dito cujo repetido a pergunta com riso sarcástico: “Eu estou indagando a profissão...” Eu particularmente, continuo escrevendo, mas, investir nas edições dos meus próprios livros? Jamais!!! Desprestigiado pelo público almejado, o Fiteiro Cultural, aqui do Recife, foi desativado. Uma pena.
Em 1957, freqüentei o Curso de Iniciação ao Cinema, promovido pelo Centro de Orientação Cinematográfica e pela Associação de Imprensa de Pernambuco (AIP). Retirei a proposta de sócio por motivos óbvios. No mesmo ano o de Radiatro. Como também o desligamento da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) . Motivo: Não entregaram o comprovante do registro da Peça Teatral Trem & Trens” e a carteira da SBAT. A prova que a peça teatral “Trem & Trens”, de minha autoria, foi devidamente registrada sob o Nº 27.751 em 26.09.1990, no Rio de Janeiro, documento, como título executivo judicial em 1991.
Em plena ditadura militar (1970), conheci alguns articulistas, colunistas, compositores, escritores, médicos, advogados, apresentadores de programas de rádio e TV, repórteres esportivos, policiais, que já exerciam a profissão de jornalismo. Porém, na época não existia curso de nível superior de jornalismo ou de comunicação social. Participamos (eu e José do Patrocínio) do I Curso de Comunicação Social, promovido pela Associação dos Bacharéis em Jornalismo, realizado na Universidade Católica de Pernambuco em convênio com o Instituto de Ciências da Informação (Icinform) e a colaboração especial do Instituto Cultural Brasil-Argentina. Aproveitando o ensejo gostaria de mencionar as matérias e professores: Panorama das Telecomunicações no Brasil e no Mundo, Engº. Nédio Cavalcanti; Comunicação do Jornalismo Impresso, Jornalista Wladimir Maia Calheiros; Comunicação Através das Relações Públicas, Professor Francisco Higino Barbosa Lima; Comunicação Áudio-Visual, Professora Theresa Catharina Góes Campos; Comunicação e Universidade, Reitor Potiguar Matos (UCP). No mesmo ano recebi o certificado de radiotelegrafista (1ª Classe), de conformidade com as disposições dos Regulamentos de radiocomunicação internacional. Este eu tenho obrigação de guardar o sigilo das comunicações e de cumprir fielmente as determinações regulamentares em vigor e as da legislação radiotelegráfica internacional.
Dado ao meu agnosticismo (permaneço agnóstico) no ano de 1982, concluí o curso de Ciências Religiosas pelo então ITER (Instituto de Teologia do Recife), sendo o referido curso equivalente à licenciatura curta para fins de Magistério. Em 1997, me associei à UBE-PE, pela segunda vez deixo de pertencer aos quadros da (des)União Brasileira de Escritores ( Vagão abandonado nos jardins da UBE – Literário 10/05/2011). E, em 2009, fui entrevistado sobre a cidade do Recife, no então Fiteiro Cultural, destinado ao curso de jornalismo da Unicap (Universidade Católica). Até hoje desconfio que foi uma trama encabeçada por algum professor, pois um dos entrevistados evita falar na dita entrevista... 

*Do livro "Fiteiro Cultural", pp. 72-6 - ed. esgotada.

Ah, os menosprezos!



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Ah, os menosprezos!



No Morro o calor era grande. Chuviscava e, de vez em quando, ventava. À observação de minha companheira, a quem chamavam de Conceição, perguntando se estava ouvindo “Conceição”, na voz de Cauby, não consegui responder. Fiquei calado por alguns minutos, até que uma sua amiga com voz alta recitou melodiando “Viver Morro”. Ouviu-se de pronto uns tiros de arma de fogo e gritos.
- Minha Nossa Senhora! – exclamou Conceição, ferida. – Não é bala perdida!
A sua amiga continuou recitando “Balas perdidas”:
Balas perdidas,/ Polícia ou Favela?// A maioria das vítimas é gente humilde e trabalhadora...
Do Morro, eu gostava de ver da janela gradeada do botequim da Mira, a linda paisagem. Do lado de fora, uma ambulância esperava. Subimos para o socorro de urgência e, com a sirene ligada a todo volume, descemos o Morro pela contramão até o Hospital da Restauração. No leito do hospital ela dormiu e sonhou, alguns, que se tornaram realidade na vida:
“Com a chegada do Natal, os poderosos conseguem fazer um festival de hipocrisia, aos quatro cantos do planeta, com festividades gigantescas... Mandam mensagens natalinas e cristãs... Bilhões de dólares são derramados com gastos militares, apesar da miséria absoluta dos países latinos e africanos...”
“- Morri! – pensou, mas no mesmo instante se via ora sentada, ora de cócoras. As luzes das janelas dos edifícios, para Conceição eram como as das favelas, tão distantes. Ela ouvia vários intermitentes sirenes das viaturas das polícias Civil e Militar abertas e buzinando descontroladamente, com luzes vermelhas e azuis enfileiradas nas duas subidas do Morro. As escadarias, cheias de imundícies: merda, lixo, vômitos... um homem louco, ora parecido com um padre, ora parecido com um militar.
Como padre: ‘ Em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo, amém...’.
Como militar: ‘ Todos ladrões, assassinos, bandidos, vagabundos, todos, todos... o lugar é na cadeia.’
Sobem as escadarias vários padres, militares, mendigos, operários, catadores de lixo, prostitutas, cegos tateando, todos pisando nos dejetos, vômitos, alguns caindo de escadaria abaixo... Vozes: ‘É um inferno!’”
Como era de costume, os jovens conversavam entre si. Na Era do Rádio ouvia-se muito na voz de Dalva de Oliveira, a música de Herivelto Martins: “Se o doutor subir lá na favela/ vai ver coisas de cortar o coração/ barracos caindo/ crianças chorando/ pedindo pedaço de pão”. E ainda: “Barracão de zinco/ pendurado lá no morro/ pedindo socorro/ lá no céu...” As autoridades nunca olharam e nem subiram os morros durante décadas, e hoje o que vemos? Aonde iremos nós?
Ouve-se “Conceição”, na voz de Cauby:
“Conceição/ Eu me lembro muito bem/ Vivia no morro a sonhar/ Com coisas que o morro não tem... Se subiu/ Ninguém sabe, ninguém viu/ Pois hoje o seu nome mudou/ E estranhos caminhos pisou...”
Muitas vezes perguntei a mim mesmo, como é possível aos moradores do Morro como Conceição suportarem os menosprezos daquela vida? Certa vez, eu a fiz dizer o porque de querer mudar seu nome.
A maioria dos jovens, após ouvirem “Conceição”, ficam a imaginar como será a vida no Morro.
- Por onde anda Avagina?
- Se mudou e nunca mais voltou.
- Dizem que está no Rio, e mudou de nome. Se fosse erro de grafia não precisava de advogado...
O seu pai assistia filmes o tempo todo. Chamavam-no de “mago-da-tela”, porque ele sabia os nomes dos artistas de cinema de cor: Marlon Brando, Humprhey Bogart, Cornel Wilde, Victor Mature, John Wayne, Robert Taylor, Alan Ladd, Gare Cooper, Errol Flynn, Tyrone Power, Gregory Peck, Paul Newman, Charlton Heston, Burt Lancaster, Arturo de Córdova... Marilyn Monroe, Sofia Loren, Elisabeth Taylor, Grace Kelly, Dorothy Lamour, Ingrid Bergman, Greta Garbo, Ava Gardener e Gina Lolobrígida... E foi em homenagem às artistas de cinema Ava Gardener e Gina Lolobrígida, que seu pai registro-a em cartório como Avagina. Ava, de Ava Gardner e Gina, de Gina Lolobrígida.
(Risos)
- Estão dizendo que ela é candidata a deputada federal...
- Avagina – Avagina – diziam em coro – Avagina...
Nota: O final desse texto foi extraído do livro: “Drogas & Crimes”- Capítulos XVII, pp. 52-3 e XXIII, p. 86.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Reminiscências de minha Casa Amarela

                                           
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Reminiscências de minha Casa Amarela






O bairro de Casa Amarela era tranqüilo, o trem da Great Western passava na então estrada de ferro norte (hoje Av. Norte) com o apito saudoso da Maria Fumaça que soltava fumaça em desenhos, através de sua chaminé, deixando pela linha afora um cheiro saudoso do carvão-de-pedra e o bonde da Tramways pela Estrada do Arraial no seu delengue-dengue.

Pelas manhãs vinham o pãoseiro, o leiteiro, o verdureiro, o seu coceiras, o amolador de facas e tesouras, o miudeiro, o gazeteiro etc. À tarde, esquentava, vinham diversos vendedores com seus produtos. À noite, o movimento aumentava, era festa de rua, os namoros nos campos de futebol do Ypiranga, Canto da Vila, Joca Leal, Boi da Merda, Tramways, Belveque, Baixa Verde.

Nós íamos assistir aos filmes nos cinemas Rivoli, Casa Amarela (mais conhecido por Cacau ou Cinema Velho) e o novo Albatroz. Não esquecendo da boemia casamarelense, da feira (a maior do Recife, ia do mercado público até o Cine Albatroz), das peladas nos campos já citados. Nas quartas, era o treino do time de Gama, o Vera Cruz Futebol Clube; nas quintas, era o do Ypiranga; e nas sextas, era o do Canto da Vila (eu como lateral direito ou o então back direito, participava de todos como convidado especial, porém não era sócio de nenhum).

Joguei muito com Paulinho (ex-jogador do Náutico, falecido), Lenildo (falecido), Reo (ex-jogador juvenil do Sport), Nadinho, Caboclo (falecido), Aluísio Manga Verde, Toinho Buchudo (falecido), Júlio (falecido), Marcelo, Brivaldo e Abrivaldo (irmãos falecidos). Bia, Tonico, Zeca (falecido), Paraíba (ex-jogador do Santa Cruz, hoje encontra-se com a perna amputada devido à bomba do aeroporto), Guaberinha (ex-jogador do Santa e do América, falecido). Foi, para mim, o melhor do mundo, pois jogava em todas as posições, até de goleiro.

Sou testemunha ocular de quando Guabera rebateu a pelota de bicicleta como goleiro. Pois bem, era fantástico assistir a uma partida de futebol naquele tempo! Mas como a minha Casa Amarela era tranqüila! E hoje os trens, os bondes, os cinemas, os campos, os times com seus pavilhões hasteados nas tarde de domingo, as sedes, os jogos de ping-pong, os boêmios, os namoros, enfim, os entretenimentos não existem mais. Somente saudade que resta ainda todos os anos na mais popular festa religiosa do Recife, a do Morro de Nossa Senhora da Conceição. Casa Amarela.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Conceição

                                                   
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Conceição*


Compreender as coisas
como elas são
com clareza
com teu corpo jovem
de seios à mostra
com uma saia
cheia de bugigangas do Morro:
fitas/terços/escapulários...

Alma, corpo e mente
compreendi a tua ausência.
Santamente?
Mas senti a tua presença.
Felicidade?
Viver em paz.
Se tu não queres...
Eu quero tua amizade.

*Homenagem à força do Morro da Conceição. O autor se inspirou numa mendiga negra do Morro que pedia esmola na festa de Nossa Senhora da Conceição, em Casa Amarela, Recife-PE.

Prosopopéia

                                                   
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    Prosopopéia


(A Carlos Pena)

Ontem entre o Paço,
A avenida Guararapes,
Este poema nasceu
Pelos bares e cafés.

Sem fazer apologia
As conversas facilitadas
Pela bebida, eu digo:
Viva a filosofia de mesa de bar.

Fui no Canto do Poeta,
Onde é uma espécie
De pequeno Museu
Em homenagem ao grande Poeta.

Estava lá o fantoche
Do poeta do azul,
Carlos Pena Filho.

Sentado à mesa
Numa prosopopéia
O inanimado se movimentou
E o discurso veemente
Cheio de ímpeto e ardor
O poeta recitou:

“...Por isso no bar Savoy,
O refrão tem sido assim:
São trinta copos de chope,
São trinta homens sentados,
Trezentos desejos presos,
Trinta mil sonhos frustrados”.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Os pacientes do doutor Fróide



Os pacientes do doutor Fróide

Nietzsche disse: “Zaratustra é a prova de que se pode falar com a maior clareza e não ser entendido”.


Quase sempre à tardinha, José Azambujanra (personagem principal dos livros “Trem Fantasma” e “”Os pacientes do doutor Fróide”) conversa comigo e o assunto  sempre gira em torno de literatura, cinema e teatro. Desta vez ele me trouxe dois poemas e comentou o trecho do texto Os pacientes do doutor Fróide pp. 12-19, edição 2007. Percebi  Azambujanra deprimido. Talvez os leitores não possam entendê-lo, por ser ele considerado um herege ou mesmo um ateu! Então, resolvi transcrever as duas poesias e o trecho do texto do referido livro:


“Herege graças a Deus”

- Achas que sou herege?
O padre na igreja me disse:
O seu nome é de herege;
O nome não tem nada a ver!

No outro dia,
Logo bem cedo,
A calma somente;
E pediu: Deus me livre!

Eu tinha só dez anos,
Não disse nada a papai,
Só disse a mamãe:
Por que o padre não gosta de mim?

Hoje tenho sessenta e seis anos,
Já vi gente com nomes diversos,
Gente da pior espécie:
Mentirosos, ladrões e assassinos.

Qual a sua religião?
- Sou herege graças a Deus!

Recife, 02/08/2008
Do livro: “Fiteiro Cultural”, ed. 2011- pp.277-8.






Para os leitores entenderem,
Uma vez resolvi perguntar a um pastor:
Por favor, quem criou os filhos?
- Os pais.
E os pais,
Quem criou?
- Os avós.
E os avós?
- Os bisavós.
E os bisavós?
- Os tataravós.
E os tataravós?
- Os pais deles.
E os pais deles?
- Os primeiros humanos.
E os primeiros humanos?
Até hoje ninguém sabe explicar!!!

Rio de Janeiro, 29/08/1980

  

“(...) - Com o avanço tecnológico da informação, atualmente alguns dos meus clientes são internautas. Estou tratando-os separadamente. Antigamente quando alguns radiotelegrafistas ficavam com problemas psíquicos, misturavam-se com os dependentes químicos. O tratamento era à base de internamentos nos hospitais psiquiátricos. Agora nós temos outros meios: são as fazendas doadas por entidades filantrópicas, que se dedicam ao tratamento e recuperação de drogados.
- Eu  lembro. Na Casa de Saúde, mesmo, tinha um colega internado que era radiotelegrafista. Com o uso obrigatório dos fones nos ouvidos, recebendo descargas sonoras, ele ficou com problemas neurológicos. Na época  denunciei o Sistema... – entrecortou doutor Fróide:
 – Se você for omisso em aceitar calado tudo isso, como o nosso Brasil irá reverter esse quadro? Bom, mudando de assunto, como vai o inquérito policial?
- Anda muito confuso, fica difícil. Quanto ao trintoitão da Carmem, já me comuniquei com os detetives Getúlio e Medeirinho.
- Foram eles que desvendaram o assassinato das estudantes Maria Clara e Thaís Evangelista. – disse doutor Fróide.
- Getúlio e Medeirinho estão checando todas as mensagens do grupo...



Eram quinze horas, no consultório do Dr. Fróide, quando entra o segundo paciente:


- ‘Vês? Ninguém assistiu ao formidável / Enterro de tua última quimera, / Somente a Ingratidão – esta pantera – / Foi tua companheira inseparável! // Acostuma-te à lama que te espera! / O homem, que nesta terra miserável, / Mora entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera. // Toma um fósforo. Acende o teu cigarro! / O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A mão que afaga é a mesma que apedreja. // Se alguém causa inda pena a tua chaga /
Apedreja essa mão vil que te afaga, / Escarra nessa boca que te beija!’

- De Augusto dos Anjos. – disse o psiquiatra.
- Eu. – disse o psicopata.
- É, Eu de Augusto dos Anjos.
- Eu, me chamam. Qual é o problema? – O psiquiatra ficou receitando sem olhar para o paciente. – O Beco. O senhor conhece o poema do Beco?
- Não é de Manuel Bandeira?
-Não é. Realmente, é meu o Beco.

‘Que importa
 A paisagem,
 A glória, a baía,
 A linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.’

- Boa. Meus parabéns. Tome esse remédio agora e o outro à noite. – despachou o paciente, chamando o terceiro paciente que estava na sala de espera falando alto e exaltado. Quando chamado já entrou  falando, prosseguindo com o assunto que vinha lhe perturbando:

- São essas as criaturas de Deus! Não fica difícil de entender esse povo. Querem provar a existência de Deus com perseguições, desunião, inveja, et cétera, et cétera... José Azambujanra está mais do que certo. Ele está sendo vítima do sistema religioso... – com a voz pastosa , cansado, continuou – São elementos relacionados entre si, formando um todo, e o grande comandante é Deus. Esse pessoal tem costume de se benzer quando sai de casa, quando se acorda, quando vai dormir, quando passa em frente às igrejas católicas... – entrecortou dr. Fróide – José Azambujanra, você o conhece?
- É um homem branco. Se fosse negro, que nem eu... Esse pessoal ia dizer o quê? – e respondeu à própria pergunta: “É negro por derradeiro”. – Não é verdade?


O quarto paciente entrou recitando “Declaração de amor em vermelho e branco”, de Renato Coração de Poeta:


‘Nasceu nas águas do Capibaribe / Não há outro mais recifense que você /
”Clube Náutico Capibaribe” / Razão maior do meu viver // Há cem anos que você me apareceu / Aconteceu num dia sete de abril / Meu coração bateu forte, enlouqueceu /E de Vermelho e Branco se vestiu...’

- E você é branco pra torcer pelo Náutico? – disse um paciente torcedor do Sport.
- Nego besta – disse outro paciente torcedor do Santa Cruz.



Enquanto isso, na sala de espera um dos pacientes começou a representar “Manicômio”, de Waldir Martins (in memoriam):

‘(...) ‘Grande povo brasileiro, / Homens-grandes dessa terra, / Eu sou D. Pedro I, / Presidente da Inglaterra; / Venho aqui por derradeiro / Aliar-me a essa guerra.’ / Ta todo mundo doido! // Os doidos tão no poder!... / Menino, que confusão; / Todos eles de gravata, / Os bolsos cheios de prata / E uma bomba em cada mão... / Sai da frente que lá vem mais! // Sereno de amor... / Sereno de amar... / É por causa da morena / Que eu quero me matar. // Outro dia fiz morada / Num terreno abandonado / Bem na beira da estrada. // Deixei barraco montado, / Taquei o pau na enxada; / Ao redor plantei um gado, / Um pé de coruja magra, / Uma cobra, uma cabra... // Criei mamão, banana, / Um casal de cajarana, / Uma garrafa de cana... // Tava tudo bem certinho / Quando chegou um sinhosinho / Com a bunda cheia de bosta, / Cheio de nó pelas costas, / Dizendo preu sair, / Que aquela terra era sua, / Que eu me pusesse na rua / Antes do sol cair. // Me deu vontade rir. / Aí eu perguntei: / Me diga por favor, / A quem o senhor comprou? / Ele respondeu: / Ao seu Dirceu. // E o seu Dirceu / Comprou a quem? / Ele respondeu: / A Matusalém. // E Matusalém?... / - Ao seu Nestor... / E o seu Nestor?... / - Ao seu Bartô../
E o seu Bartô?... / - Ao outro dono!... / E o outro dono?... / - Ao outro dono!... / E o outro dono?... / - Ao primeiro dono!!!... / E o primeiro dono / Comprou a quem?! / Ele não soube responder. // Ta vendo que não convém!! / A terra não é de ninguém, / É de quem dela cuidar // Tava aqui desprezada, / Suja, descabelada, / Sem home, sem nada, /
Querendo se casar, / Topei a parada...”






O Pai do Chupa





O Pai do Chupa*



Em fevereiro, de 1937, Miguel Rodrigo Carrasqueiro chega ao Recife, com seus vinte e cinco anos de idade, devido à inquietação econômica e política na Espanha, que culminou com a rebelião do Exército, sob a liderança do general Franco. A revolta precipita a guerra Civil Espanhola. As forças do general Francisco Franco têm o apoio da Alemanha nazista e da Itália fascista... Nesse ínterim, Miguel Rodrigo foge para a França devido à impopularidade do ditador Franco.
Miguel Rodrigo Carrasqueiro entrouxou as melhores roupas e toda a sua economia – arranjara documentos “frios” como emigrante italiano – em uma gráfica de Paris, que imprimia também passaportes e outros documentos falsos e resolveu viajar para o Brasil de que contavam tantas maravilhas... principalmente o carnaval do Recife, considerado o melhor do mundo...
Miguel Rodrigo, recém chegado, hospedou-se num dos quartos da rua da Praia. Passando pelos arredores do Mercado de São José conheceu uma menina-moça que perambulava pelas ruas e vielas do bairro de São José. Tinha o vício de pequenos furtos, devido à necessidade de sobreviver, pele queimada do sol, filha de um negro pescador do Pina, suja, cabelos em desalinho, uma marca de coração na coxa direita, feita de óleo da castanha de caju. Trajando vestido de chita, comia ovos podres e “Caboge” (galinhas mortas que vinham nos garajaus). Seria aquele encontro a origem da felicidade de ambos? Era carnaval no Recife. Miguel Rodrigo não sabia brincar carnaval, fazer  o passo do frevo pernambucano, mas a menina-moça o ensinava e foram brincar na rua Nova, Imperatriz, Concórdia... olharam o corso, Recife era considerada a capital do frevo. Eles perambulavam pelas ruas e avenidas, ora fazendo o passo, ora andando abraçados beijando-se. Ele virava de lado o Prada, imitando um toureiro. Ao passarem na Avenida 10 de Novembro (atual Av. Guararapes) levaram um banho de talco e foram melados de batom. No ruge-ruge da folia furtaram o chapéu Prada de Miguel Rodrigo. Mas, não foi por isso que desanimou. Eles resolvem comprar talco e uma caixa de lança-perfume Rodouro,    contendo três tubos para brincarem os três dias de carnaval. Pintaram os rostos de carvão e brincaram até cansarem. Logo após, foram descansar no Cais do Chupa e, lá, fizeram amor e dormiram no Areal. Pela manhã, ao nascer do sol, acordam. Mais tarde, ficaram assistindo de longe a draga chupar a areia, aumentando o calado. O Cais era desabitado, estava um dia ensolarado e vinha embarcações de Goiana, Sapé, São Francisco... carregados de carvão vegetal, melancia, abacaxi, et cétera. Foram ao Cais do Abacaxi próximo ao do Chupa (hoje Cais de Sta Rita) e lá chuparam abacaxi à valer, depois foram até o Mercado de São José, tomaram café e tiraram uma foto no lambe-lambe. Depois foram ao comércio fazer compras:um chapéu panamá para ele e um de feltro para ela, boinas, anáguas, sapatos, xales manuais de crochês e tricôs (...),etc. Quando saíram da loja compraram no Mercado de São José um quepe branco e um diadema com uma pluma colorida e, depois, seguiram pela rua Padre Muniz e resolveram, subir a um “rendez-vous” barato.

- Edilza vai ganhar uma comissão boa, não é, dona Cosma?
- Vá tomar no olho do cu! – era a dona do prostíbulo conhecida como “Mãe Branca”, que não gostava que a chamassem pelo nome – Aqui mando eu! Quem
manda você não arranjar turista? Só esses pé rapado do Mercado... – ficando nas pontas dos pés – e digo uma coisa: se você bolir com Edilza e repetir de novo o que disse você não entra mais aqui, ouviu?

-...

Edilza dá um puxão tão forte no braço de Miguel Rodrigo, que os pacotes de roupa caem no chão junto com a caixa de lança-perfume. Edilza apanha e segue para o quarto, sendo acompanhada por Miguel Rodrigo atônito, pensando: “”Isto é um rendez-vous de putas! Um perigo estas raparigas...”

Era uma terça feita, último dia do carnaval. Miguel Rodrigo e Edilza saem vestidos de foliões. Ele, sem suspensório – os jovens da época logo aderiram à nova moda.
Miguel Rodrigo e Edilza ambos, de lança-perfume, ele olhando os seios dela pela blusa quase transparente, molhando os bicos dos peitos da moça percebia ficarem rígidos, dado à frieza do éter que continha na lança-perfume. Ela sentia-os pulsar e pegou a sua também e lançou em sua virilha, que já dava para notar o seu membro endurecido. Beijaram-se em plena avenida 10 de Novembro.

Miguel Rodrigo e Edilza, à noite, iam mais das vezes ao Cais do Chupa. Edilza reconhecia o desejo de manter relações sexuais com Miguel Rodrigo, pois sabia que o estrangeiro era a sua felicidade. Amava-o e lembrava sempre que a sua primeira noite fora no Cais-do-Chupa, quando ali chegaram excitados às vinte e três horas, em plena folia de carnaval. Miguel Rodrigo sujo de talco, ela idem e de batom por todo rosto. Beijaram-se, ouvindo de longe músicas carnavalescas. Uma delas ficou bem na memória de ambos: “Carnaval  da  Torre”

Recife é uma nova Roma/ Que comanda o nosso carnaval/ Estamos na “Torre de Babel”/ Fazendo passo embaixo do “Arranha céu”// Venha de pé, de carro ou de trem/
No caminho não pare pra ninguém/ Recife espera com grande animação/ O povão na sua locomoção// No fantástico três dias de folia/ A fantasia do folião está em cena/ Desfilando no meio da confusão/ No passo da grande multidão// Quando o frevo se animar/ A platéia inteira vai vibrar/ Vendo o “negão” dar uma de mestre/ Fazendo passo como um “cabra da peste”...

Cavaram com as próprias mãos um buraco não muito profundo no areal. Durante a noite, no areal, não se via um pé-de-pessoa. Edilza deitava-se sobre Miguel Rodrigo, confiava no seu macho. Excitados, fizeram amor: ora fora do buraco, ora dentro do buraco. Já eram quatro e meia da manhã e as luzes da cidade estavam se apagando junto com os letreiros luminosos, e retornaram a amar... Lá, eles contemplavam os maçaricos pousarem no médão  e as andorinhas, que roçavam a superfície da água. Aquele grande espetáculo que a natureza oferecia dava uma sensação de felicidade a ambos. Estendiam-se na areia, nus...

- Estamos livres como os passarinhos – disse Edilza.

“ É lindo ver os vôos das gaivotas sobre as ondas do mar” – pensou Miguel Rodrigo Carrasqueiro, sorrindo.

Em 1945, Miguel Rodrigo e Edilza comemoram no Pina o fim da segunda Guerra Mundial, que tanto os prejudicava como também a todo mundo!
Miguel Rodrigo já havia liquidado o quarto da rua da Praia e levado a sua maleta para a nova moradia. Limpava impecavelmente os seus três anéis. Edilza presenteara um anel de bronze e, em troca, Miguel Rodrigo retribuíra com seu anel mais bonito, de brilhantes, que trouxera de Sevilha e com umas castanholas que havia comprado para presentear a uma sua amada espanhola, não acontecendo por causa da sua fuga à França e na qual não tivera tempo para entregar-lhe. Ensinou Edilza a manuseá-las e a mesma logo aprendeu a tocar e sapatearam como flamengo um bom tempo em cima de um barco virado...

Miguel Rodrigo sentia-se contente consigo mesmo. Já havia escolhido a sua futura esposa e confiava que ela suportaria sofrer ao lado dele. Mas, havia um problema: estava desempregado e não queria que Edilza de forma alguma, voltasse a sofrer novamente, principalmente agora-prenhe. Acontece que Edilza havia combinado visitar Miguel Rodrigo nos finais de semana, no Cais-do-Chupa. Miguel Rodrigo começa a trabalhar na arte de transformar em anéis ruelas de bronze, etc. O tempo foi passando e ele voltou a jogar as suas economias no jogo do bicho, quando vendia alguns anéis, pregos, et cétera. Sabia que era contravenção, pela constituição do país! Mas, o que poderia fazer se as autoridades constituídas eram conivente? Um dia mesmo até dissera: “Deus me livre mais jogar...” mas existia, o que iria fazer? Acontece que, desesperado com pouco dinheiro sabia que estava se entregando ao relaxamento, despreocupando-se com o vestir quase entregando-se ao alcoolismo. Edilza visitava-o praticamente uma vez por mês! Havia sonhado afogado num mergulho, que dava no mar: “(...)” Teria sido o efeito do álcool aquele horrível sonho? Miguel Rodrigo não conseguia dormir direito, sabia o motivo da insônia e a pobreza o deprimia... Vinha-lhe uma saudade grande de Sevilha. Abria a maleta e ficava admirando as castanholas que Edilza havia devolvido, por não achar mais graça nas duas peças de marfim. Teria sido um covarde? Chorava baixinho e sabia que era impossível rever a espanhola, mas assim mesmo qual seria a sua idade? Estava velha, é claro... Estava para abandonar tudo, tudo mesmo, o Recife, Edilza... pensava: “será que ela está passando bem?” Tinha vergonha de ir saber notícias, sentia-se novamente como um covarde, com necessidade de fazer sexo. No impulso do desejo resolveu atravessar a Giratória (Ponte Giratória, inaugurada em 1923), indo ao Bairro do Recife Antigo (Zona de baixo Meretrício), mal vestido e com roupas em duplicata... Num momento de lucidez, achou que os andrajos estavam chocando a sociedade. Resolve voltar ao Cais, fantasmagórico e pensava: “estou mais parecido com Raskólhnikov ... – personagem principal de Crime e Castigo –Dostoievski-
“Estou ridículo com estes trajes”. Retorna para o Chupa, apressado. Quando chega no Areal retira a boina, as calças, a primeira meia-coronha e a segunda de baixo. Retira da maleta uma roupa nova, fica nu e segue para o mar dar uns mergulhos, banha bem o rosto e os cabelos. Dá uns pulinhos, enxuga o corpo com as mãos e veste-se. Faz a barba com a sua navalha, ajeita-se e, com ousadia, atravessa novamente a Ponte Giratória seguindo para o Bairro do Recife.  
Um mendigo com uma rede e um samburá vazio pede uma esmola a Miguel Rodrigo e ele dá uma moeda, sobe as escadas de madeira e vê as mulheres dançando semi-nuas, o desenho em néon de uma ponte simbolizando a cidade do Recife, luzes de diversas cores no salão, piscando. As predominantes eram as vermelhas e verdes. As lâmpadas das janelas não piscavam e havia muita zoada. A morena que o chamou foi logo dizendo o seu preço! Miguel Rodrigo ficou logo indiferente às carícias da meretriz:
- Vamos fazer menino? Amor, compra uma ficha pra mim, que eu vou escolher a melhor música que tem na vitrola. – Notando Carrasqueiro ser estrangeiro, falou ao mesmo tempo francês e inglês “à la beira de cais”: “Merci beaucoup... I love you”...
-... (Ri sem som, baixinho, pensou: “Vá tomar no cu!”)
- Yes... Okay... Au revoir...

Com nojo da prostituta se aprontou, pagou e desceu as escadas ouvindo gargalhadas das prostitutas... e o som das vitrolas dos bares retornou a se misturar com o dos cabarés... Miguel Rodrigo vai a uma barraca da rua da Guia e toma uma dose de cachaça, espreme um pouco de limão antes de beber e, depois que engole a “lapada”, chupa o limão. Pede um cigarro, acende, paga a pequena despesa e resolve não mais voltar pelo mesmo lugar. Sobe a Ponte Maurício de Nassau, vê o pescador que antes havia pedido uma esmola, com cinco siris no samburá. Melancólico, com aquela cena, fica de pé no meio da ponte – no peitoril -, olhando os reflexos das luzes coloridas que, acendendo e apagando, em sua maioria em gás-neon aformoseavam o Rio Capibaribe.

* Extraído do livro: O Pai do Chupa, pp. 21-42. Edição esgotada.