quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O Sonho II


O Sonho II
Por José Calvino

Luiz Carlos ao regressar do trem da tarde, durante o percurso de Recife à sua cidade natal, sentado num dos bancos de encosto-móvel-de-vime, observava pela janela o velho gasômetro, o parque do Exército e a favela do Coque. A “Maria Fumaça” arrotava faíscas de sua fornalha, caindo nos olhos dos que se atrevessem a por a cabeça do lado de fora, geralmente as crianças. A loco apitava sucessivamente ao passar antes dos cruzamentos de automóveis, soltando fumaça em desenhos, através de sua chaminé, deixando pela linha à fora um cheiro saudoso do carvão-de-pedra. Desfilavam os postes com os seus fios telegráficos e as placas em vermelho, com letras brancas, advertindo: P.N. APITE PARE OLHE-ESCUTE.

O trem já passava da estação de Lacerda. Luiz dormia. Inicialmente, sonhou sendo preso como comunista, por ter participado de um comício de Prestes, conhecido como “O Cavaleiro da Esperança”. Este sonho era como um aviso profético, que futuramente haveria de se realizar. O local esquisito era como o “Buque” da Chefatura de Polícia. Ora parecia com um quartel da Meganha, onde fora humilhado, colocado na solitária. Aquele sonho parecia real! No isolamento via elementos, da própria polícia, presos sendo maltratados e marginalizados pelos próprios companheiros. Ouvia dizerem aos policiais-presos:
- Vão ser excluídos e entregues à Polícia Civil, transferidos para a Casa de Detenção junto com esse civil safado!

A promiscuidade com os presos de diferentes classes era ridícula. À proporção em que sonhava já se sentia na Casa de Detenção do Recife com seu companheiro José, taxado como pivô das greves e passeatas dos ferroviários, preso como comunista por contrariar as leis...
- Isto é uma loucura, eles só sabem fazer leis e não dão os nossos direitos. Me matem!
- Luiz Carlos ultimamente chegava em casa sempre embriagado. Já trêmulo, vocês não viram? Não tinha mais forças. Sua morte caminhava lenta. E o futuro carnaval que pensava brincar à sua maneira, foi a do “suicídio lento”, sufocando-se na bebida e no fumo! A meu ver as bebidas alcoólicas deveriam ser com prescrição médica como são com os medicamentos que um paciente ou animal deve tomar  assistido e orientado por psicólogos(as) e psiquiatras, com uma rigorosa fiscalização da prescrição. – disse Jane  advogada dos ferroviários.

Finalizando esta crônica, até porque  como escritor é meu dever transmitir aos leitores (principalmente aos jovens) as minhas experiências, apresento o poema que está sendo bem comentado, sobre esta triste realidade: 

O que eu quero lhe informar



Sai de casa para beber e fumar.
É melhor sempre olhar pro mar,
Também é bom amar,
Fazer o bem e chamar
E à risca do povo aclamar
Que ao de tudo de bom provar
Algumas coisas só fazem é prejudicar.
Eu quero apenas lhes informar:
A bebida faz embebedar,
O fumo faz poluir o ar
E ambos só fazem drogar
Ou morrer mais depressa, continuar...

Nota – Alguns trechos extraídos do teatro “Trem da Vida” e do livro “O ferroviário” – Cap. IV, pp. 39-43. Ed. 1980.



Um comentário:

  1. Publicado hoje no Literário: Um blog que pensa - pbondaczuk.blogspot.com/
    Coluna: "Observações e Reminiscências"

    ResponderExcluir