sexta-feira, 11 de julho de 2014

Corredor da Morte



Corredor da Morte

Por José Calvino


Corredor da Morte. Como o próprio nome já diz, era conhecido por ser um lugar perigoso. Para ir até lá era preciso ser disposto. Sempre havia desavenças entre os jovens dos bairros de Casa Forte e Casa Amarela. Ficava localizado no oitão do Mercado Público de Casa Amarela.
O  meu amigo poeta-escritor em suas qualidades sempre gostou de freqüentar esses lugares, simples,  e  sempre foi respeitado. Mas o poeta escritor e cônsul dos Poetas Del Mundo (Zona Norte do Recife), ficou como se tivesse esperando todos estes anos para poder contar por escrito, sem estar sob a trava na língua relatando os pequenos acontecimentos com precisão e deixando por conta  do leitor o humor. Sempre cheio de otimismo o poeta vem conquistando diversos leitores, embora revela aos amigos que foi um leitor retardatário, lia mais gibis, revistas em quadrinhos... os do seu tope que viviam em casa proibidos pelos pais de brincarem de jogar bola, pião, empinar papagaio, etc e eram conhecidos, aliás, como afrescalhados. O poeta desde menino, durante o dia era o maior peladeiro da “paróquia”. À noite, quando jovem assistia muitos filmes. Após a saída do cinema entrava na boemia casamarelense e nos Bairros do Recife Antigo e Rua do Jaú no Pina (Zonas de baixo meretrício). Mas, com tudo isso, vem conseguindo fazer com que os que tiveram ou têm a sorte de ler e ouvir com muita atenção as suas crônicas, suas poesias, os seus livros que se lêem num instante, como se diz de um só fôlego.

E continuamos a refletir e a pensar como o poeta ainda continua escrevendo e se comunicando com o povão. Contando algumas lembranças, ele relembra que havia no então Corredor da Morte, um guarda apelidado de “44”, que ficava sempre no balcão do boteco de dona Augusta, armado com dois revólveres, um municiado com cinco cartuchos na cintura, próximo ao umbigo e o outro sem munição, na cartucheira no bolso de trás. Os frequentadores sabiam que era malícia do “44”, deixar o “trintoitão” aparecer. Mas, sobretudo, o que fez o local ficar mais temido e famoso, foram as   duas mortes (anos 50), uma foi a golpes de faca-peixeira, pelo vigia Elias e a outra por disparos de arma de fogo pelo guarda Civil “Estrela”. O guarda “44”, que já estava sendo visado pelos desordeiros do local, deixou de freqüentar o local, o motivo não foi nada mais nada menos do que uma vingança.  Quando o mesmo ao subir no ônibus, colocando o pé (44) direito no estribo,  Nivaldo, mais conhecido por “Cara de Coelho”, incontinenti, com toda energia, deu-lhe uma rasteira na perna esquerda deixando  o mesmo  para o resto da vida sem forças para andar, quiçá fazer pose no boteco do Corredor. Quem também frequentava muito o local  era o famoso chefe de gang do Rio de Janeiro, Ramirez. Quando ele vinha a Pernambuco se escondia no Morro da Conceição, Casa Amarela que era o seu reduto preferido. Bem quisto com a comunidade, muito carola, na hora da oferenda distribuía dinheiro na Paróquia e, para se garantir a sua permanência no Morro, a propina à polícia (Delegacia de Casa Amarela e ao Comissariado do Morro). Se fazia valer, como se dizia, dando o que era de “lei”! Pagou os honorários advocatícios decorrentes do ato cometido pelo cantor “Cara de Coelho”. Ramirez era um poliglota, conquistou popularidade, conhecedor da vida social do assalariado, não enganava aquela gente humilde. Um exemplo de honestidade. Em 1959 aconteceu uma tragédia na comemoração da festa da Padroeira do Morro. Houve um curto circuito nas gambiarras das barracas e nos brinquedos da quermesse, provocando uma correria entre as pessoas, que pensavam tratar-se de tiros de arma de fogo, o que resultou em inúmeras pessoas acidentadas. Ramirez, por sua vez (sou testemunha ocular), socorreu diversas pessoas, conhecidas ou não. As vítimas, se vivas forem, certamente não sabem quem as socorreu.

Ramirez, com seu ar de superioridade, sempre se mostrava numa foto na qual se via  mantendo relações sexuais com ambos os sexos. Dizia orgulhosamente: “Eu sou completo, ladrão, poliglota, homossexual e assassino. O que vocês querem mais?

- Dá um grande golpe nos grandes comerciantes de Casa Amarela. – disse um desempregado, já no rol da malandragem. Casa Amarela (anos 50) era considerado o maior bairro do Brasil.
- Sugestão interessante! – respondeu Ramirez dando uma risada das que ele gostava.

Risos

Então, foi no Corredor da Morte, que Ramirez arquitetou um plano fraudulento que lhe rendeu uma “bolada”. O gráfico Amaro Branco, que tinha um gráfica clandestina no Alto da Foice (hoje Alto Nossa Senhora de Fátima, que levava o mesmo nome da gráfica) foi quem confeccionou uns dez blocos de pedidos de gillettes TEK, através dos quais comprou umas caixinhas da dita gilete e reuniu uns oito rapazes de boa aparência (naquele tempo era difícil encontrar moças para  trabalhar sem permissão dos pais, que geralmente não as autorizavam). Os jovens foram instruídos pelo malandro carioca, que veio do Rio pessoalmente  para dirigir a equipe. Cada um dos “representantes” ofertava umas três caixinhas de gilete e incentivava os comerciantes a fazerem  pedidos grandes,  por se tratar de uma só semana de “promoção”. Sugeriam que, adiantando uma bagatela de cem mil réis em cada pedido realizado, receberiam logo a encomenda. A entrega seria numa quarta-feira às 10:h, em frente ao Armazem 14, no Porto do Recife. Faziam cientes aos compradores a presença do desconhecido por eles (os comerciantes) Ramirez, amigo do conhecido comerciante João Arruda. E no dito dia, foi combinado ir no luxuoso Galaxy, na frente com João Arruda. A presença de Ramirez junto com o considerado maior comerciante do bairro, deixou os demais comerciantes eufóricos aguardando as mercadorias solicitadas na frente do Armazem 14. Sorridente, Ramirez entrou no dito Armazem com o malandro carioca e um dos filhos de um pequeno comerciante, apelidado de “Lula-lá”, que estava sentindo os seus sonhos serem realizados, conhecer a Cidade Maravilhosa. Andando tranquilamente pelo Cais do Porto, já próximo ao Armazem 1, embarcaram no Lloyd Brasileiro com destino ao Rio de Janeiro, deixando os comerciantes na saudade...

- Vocês ouviram o navio apitar?
- É bem as giletes que estão chegando.       

Após uma semana deu no jornal da Cidade:

“Ladrão fuzilado no ‘Corredor da Morte’, em Casa Amarela, e quatro foram presos no mesmo local.Segundo informações da polícia o crime e as prisões estariam relacionados ao grande golpe  por terem praticado  o “conto da gilete”. Os detidos foram conduzidos para a delegacia de polícia para posteriormente serem encaminhados para a Casa de Detenção do Recife. O chefe da quadrilha se encontra foragido. Quem souber do seu paradeiro só é informar na delegacia de Casa Amarela. Um dos participantes do golpe foi encontrado morto hoje pela manhã no bairro da Encruzilhada. A polícia continua investigando o caso.”



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