O grito da Arara
Por José Calvino
Devido às lutas políticas entre três
famílias: Alencar, Sampaio e Saraiva, todas do Alto Sertão de Pernambuco,
geralmente muitos deles mandavam para a capital Recife seus filhos, esses que vinham estudar para não se envolverem na guerra com as famílias
citadas.
Em meados de novembro, duas cuidadoras de um
casal de idosos, parentes dos Alencar e
Sampaio e acostumadas a falar da vida dos outros como é de costume no interior,
num final de semana foram convidadas para uma sexta-feira participarem de uma panelada nordestina no espaço do Carlinhos,
no Alto José do Pinho. Combinaram e assim foram, com amigas e amigos.
“A negra Jasmina deu à luz a um menino branco”.
Era o assunto no come e bebe no local, que durou da sexta até a segunda, dia da
festa de Nossa Senhora da Conceição,
quando então subiram o Morro para homenagear a Santa. Terminaram no “Arara
Bar”, no Largo das Cinco Pontas.
- O que há de novo?
- Jasmina teve um menino, e nasceu
branco!
- Já estão dizendo que é filho de um dos
Alencar.
- Vocês não se metam com os Alencar, Sampaio
e Saraiva de Exu.
- Exu é terra de Luiz Gonzaga.
- Mas, quem é o pai desse menino?
- É por aí, por aí... – respondeu naturalmente
a mãe de Jasmina.
- Falar no Rei do Baião isso é pra quem
é: “Alfaiate do primeiro ano pega na
tesoura e vai cortando o pano...” – cantarolou o poeta para mudar de assunto.
“Cortando o Pano”, de Luiz Gonzaga, Miguel Lima e J. Portela.
Já animado pela bebedeira perguntou aos
presentes:
- Qual a diferença de um polícia para uma
rapariga?
Todos ficaram sérios no pejorativo de
rapariga. Negra Jasmina, já queimada, disse com uma escandalosa risada:
- É tudo igual...- entrecortou o poeta – Não,
vocês não sabem? Todo policial quer ser antigo, e toda rapariga quer ser nova.
- Meu nego é parada, sabe de tudo... – disse
a negra Jasmina, engasgando-se com a carne.
Finalmente, a turma da panelada foi parar no
conhecido ponto de encontro “Arara Bar”, um local arborizado, tão agradável que
dava gosto de ir lá. Mas, foi aí que aconteceu a inesperada comédia. Por
coincidência o dono do bar, Aderbal, era do sertão do Pajeú e não gostou quando
ouviu de dois elementos desconhecidos que os sertanejos só são brabos lá na terra
deles. Aderbal puxou a faca-peixeira e
bateu com força no balcão de madeira junto com o canto de sua arara vermelha de
estimação, numa sonoridade altíssima e, ao
bater as asas como um grito de alarme demonstrando perigo, os
perturbadores correram com medo, sem pagarem as despesas... De longe eles ainda
ouviam o grito rasgado:
Araraaaaaaaaaaaaaaaaa!!!
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