terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Trem da Vida (Teatro)


                                   Estrada de Ferro Norte (anos 30).
                         Foto: Euclides de Andrade Lima (Pai do autor).


Trem da Vida (Teatro)

Por José Calvino



Personagens:


Luiz Carlos,Jane, Berenice, Miguel Rodrigo, Jovens...


Inicia-se a peça com uma poesia musicada: “O trem”, com o eco do apito tradicional da “Maria Fumaça” e o seu rugido, os quais eram imitados pelas crianças da época. Ainda em completa escuridão:

VOZ  FEMININA - Escrever o trem da vida,
                           registrar a própria experiência,
                           como se fosse uma viagem de trem,
                           uma vida que vai por trilhos.

                          Dormentes que já não seguram,
                          os trens sobre trilhos,
                          nós sabemos que o trem vai chegar,
                          nessa longa viagem...

                          Talvez já tenha visto coisas demais,
                          até restos de locomotivas e trilhos,
                          espalhados pelas matas dos macacos,
                          a humanidade deve ter muito cuidado.

                          A lógica dos sonhos,
                          parece que se cumpre,
                          para a vida e o óbvio,
                          da vida invadira as imagens.

                          São sonhos diferentes,
                          coloridos e em preto & branco,
                          que vinham enquanto dormia,
                          pensem nisso, e boa viagem!

Acendem-se os refletores em resistência, iluminando o ambiente.

Cenário:

Algumas pessoas sentadas conversando.


LUIZ CARLOS (Voz trêmula) – Meu nome é Luiz Carlos de Lima, nasci em 1940, em Recife. Este final de ano foi tudo completamente, diferentemente de  anos anteriores, quando entrava na cachaça “misturada” com cerveja, conhaque...o escambau (Era muito usado nos anos 60/70), na medida em que andava de bar em bar, ou mesmo  em barracas, de preferência as cobertas com zinco, porque se chovesse fazia aquela zoadinha muito agradável para ficar em plena “viagem”. Me transformava num trem, que saía de estação em estação, assistindo cenas diferentes a cada parada.

MIGUEL RODRIGO (Rindo de soslaio) – Eu nasci também em agosto do mesmo ano, sou virgem, e você?

LUIZ CARLOS (Enérgico) – Sou leão! (Com a voz mais branda, relembrando o saudoso dançarino Luiz Sarafim) - Nas danças de gafieira eu era um simples espectador, que assistia a um espetáculo de samba gingado. Nem eu, nem ninguém, estava feliz. Eu, ao menos desfrutava de todo o prazer que o sexo proporciona. Agora, não vivo mais a minha sexualidade, regada a bebida alcoólica como antigamente (Rindo), que me fazia demorar a gozar, agora demora é a subir... (Risos). Virava noites, e mais noites desafiando os boêmios da Veneza Brasileira. O que, para mim, era uma vitória.

JOVEM 1 (Curioso) – Os senhores ainda tiveram a sorte de não entrarem no mundo das drogas. 2013 foi considerado o ano mais violento...

JOVEM 2 (Corta, relembrando) – Bem que o escritor disse que as festividades de final de ano, são as mais hipócritas de todas. Eis que chega o ano novo, as grandes cidades fazem shows pirotécnicos com o colorido no céu, pessoas literalmente embriagadas confraternizam-se com falsos abraços e beijos. No dia seguinte, vamos computar as vítimas de violência, brigas e acidentes. Demonstrando assim, que é um dia atrás do outro com uma noite no meio, sem mudanças e esperanças. Assim a humanidade edificou os seus desígnios, cultivando a intolerância na falta de amor ao próximo, sendo medíocres e literalmente hipócritas, elegendo estas festividades no pseudo intuito de uma melhor relação entre os seres humanos, tendo o disparate do desejo de um Feliz Ano Novo!!!

 JOVEM 1 - Começa a recitar “Questão de Valores”:

 Fumar, beber, sexo fácil.../ tem gente desavisado/ censurando quem lê jornal,/ olhando com desdém para o livro,/ é o preconceito contra a cultura./ Faço um apelo aos que governam/ vamos investir na educação,/ vamos cultuar o nosso povo,/ vamos comparar essa falsa cultura/ com a Questão de Valores de muita gente./ Vamos ver o nível cultural de nossa televisão/ com alguns programas medíocres./ Todos nós temos consciência/ ou não,/ Questão de Valores.

(Este poema faz parte do livro “Trem Fantasma”).

Ouve-se o apito do trem, distante. Idem  música “O trem”:

Café com não
Bolacha não
Café com não
Com não
Com não

Brincando de equilíbrio
Nós vamos de mãos dadas
Como duas crianças
Recordando o bom viver

Piuí-piuí, este eco
Está na lembrança
Saíamos da linha
Para ver o trem passar...

Trem do norte
Trem do centro
Trem do sul
Café com pão
Bolacha não, com não, com não...

Trem & Trens
Trem & Trens (Piuí)
Trem da Asa Branca (Fortaleza)
Trem da Festa da Pitomba (Prazeres)
Trem do Forró (Caruaru)
Trem do Arraial (Casa Amarela)
Trem da Alegria
Trem da Dívida
Trem dos Puxa-sacos
Trem dos Corruptos
Trem dos Crocodilos...

Trem & Trens (Piuí)
Café com não
Bolacha não
Com não, com não, com não...
Piuí-piuí...



(Baseado do livro “Trem & Trens”).

JANE  (Otimista, aos jovens) – Estou gostando muito da peça ser poética e musical.
BERENICE ( Admirada) – Sinceramente, essa experiência de poesia e música em teatro, para mim está sendo novidade.
JANE  (Carinhosamente) - É antiga, Beré! Nós estamos viajando no trem da vida.

Vozearia
Silêncio

Ouve-se voz masculina:

Os trilhos  enferrujavam nos dormentes porque por lá não passavam mais trens. A estação havia fechado para construção de uma avenida. Era o progresso. Ficara só na lembrança aquele movimento de trens de passageiro, carga, tropa do Exército, manobras, manutenção e limpeza de vagões e reabastecimento das locos-escoteiras. 
Os meninos sentiam saudades das “morcegadas” (pulos que davam para pegar o trem, troles, ou nos limpa-trilhos das locomotivas-escoteiras em movimento). Luiz Carlos começou a reivindicar, junto aos ferroviários, através de abaixo-assinados, o que mais tarde serviria para agravar sua situação, com diversas perseguições...

(Trecho extraído do livro “O ferroviário”).


Ouve-se voz feminina:

EU QUERO DAR UM CONSELHO
A QUEM QUISER TOMAR:
QUEM QUISER VIVER NO MUNDO
HÁ DE OUVIR, VER E CALAR

(Do folclore brasileiro)

Falta energia e a cena fica às escuras. Pequena pausa. Chega energia.

JOVEM 3 – Já estou até gostando desta interferência. Para o meu curso é importante.

Levantam-se e saem rindo, conversando em segredo.

Vozes inaudíveis.

Musica “O trem”.

JANE - Luiz Carlos chegava em casa sempre embriagado. Já trêmulo, vocês não viram? Não tinha mais forças. Sua morte caminhava lenta.E o futuro carnaval que pensava em brincar à sua maneira, foi a do “suicídio lento”, sufocando-se na bebida e no fumo.

BERENICE ( Comovida) – Ele sofreu muito, chegou a hora de desembarcar. Jovens e idosos prosseguem nesse trem da vida e em alguma estação desceremos.

CORRE O PANO





Nenhum comentário:

Postar um comentário