Estrada de Ferro Norte (anos 30).
Foto: Euclides de Andrade Lima (Pai do autor).
Trem da Vida (Teatro)
Por José Calvino
Personagens:
Luiz Carlos,Jane, Berenice, Miguel Rodrigo, Jovens...
Inicia-se a peça com uma poesia musicada: “O trem”, com
o eco do apito tradicional da “Maria Fumaça” e o seu rugido, os quais eram
imitados pelas crianças da época. Ainda em completa escuridão:
VOZ FEMININA
- Escrever o trem da vida,
registrar a própria
experiência,
como se fosse uma viagem de
trem,
uma vida que vai por
trilhos.
Dormentes que já não
seguram,
os trens sobre
trilhos,
nós sabemos que o
trem vai chegar,
nessa longa viagem...
Talvez já tenha visto
coisas demais,
até restos de
locomotivas e trilhos,
espalhados pelas matas
dos macacos,
a humanidade deve ter muito
cuidado.
A lógica dos sonhos,
parece que se cumpre,
para a vida e o
óbvio,
da vida invadira as
imagens.
São sonhos diferentes,
coloridos e em preto
& branco,
que vinham enquanto
dormia,
pensem nisso, e boa
viagem!
Acendem-se os refletores em resistência, iluminando
o ambiente.
Cenário:
Algumas pessoas sentadas conversando.
LUIZ CARLOS (Voz trêmula) – Meu nome é Luiz Carlos
de Lima, nasci em 1940, em Recife. Este final de ano foi tudo completamente,
diferentemente de anos anteriores,
quando entrava na cachaça “misturada” com cerveja, conhaque...o escambau (Era
muito usado nos anos 60/70), na medida em que andava de bar em bar, ou
mesmo em barracas, de preferência as cobertas
com zinco, porque se chovesse fazia aquela zoadinha muito agradável para ficar
em plena “viagem”. Me transformava num trem, que saía de estação em estação,
assistindo cenas diferentes a cada parada.
MIGUEL RODRIGO (Rindo de soslaio) – Eu nasci também
em agosto do mesmo ano, sou virgem, e você?
LUIZ CARLOS (Enérgico) – Sou leão! (Com a voz mais
branda, relembrando o saudoso dançarino Luiz Sarafim) - Nas danças de gafieira
eu era um simples espectador, que assistia a um espetáculo de samba gingado. Nem
eu, nem ninguém, estava feliz. Eu, ao menos desfrutava de todo o prazer que o
sexo proporciona. Agora, não vivo mais a minha sexualidade, regada a bebida
alcoólica como antigamente (Rindo), que me fazia demorar a gozar, agora demora
é a subir... (Risos). Virava noites, e mais noites desafiando os boêmios da Veneza
Brasileira. O que, para mim, era uma vitória.
JOVEM 1 (Curioso) – Os senhores ainda tiveram a
sorte de não entrarem no mundo das drogas. 2013 foi considerado o ano mais
violento...
JOVEM 2 (Corta, relembrando) – Bem que o escritor
disse que as festividades de final de ano, são as
mais hipócritas de todas. Eis que chega o ano novo, as grandes cidades fazem
shows pirotécnicos com o colorido no céu, pessoas literalmente embriagadas
confraternizam-se com falsos abraços e beijos. No dia seguinte, vamos computar
as vítimas de violência, brigas e acidentes. Demonstrando assim, que é um dia
atrás do outro com uma noite no meio, sem mudanças e esperanças. Assim a
humanidade edificou os seus desígnios, cultivando a intolerância na falta de
amor ao próximo, sendo medíocres e literalmente hipócritas, elegendo estas
festividades no pseudo intuito de uma melhor relação entre os seres humanos,
tendo o disparate do desejo de um Feliz Ano Novo!!!
JOVEM 1 - Começa a recitar “Questão de Valores”:
Fumar, beber,
sexo fácil.../ tem gente desavisado/ censurando quem lê jornal,/ olhando com
desdém para o livro,/ é o preconceito contra a cultura./ Faço um apelo aos que
governam/ vamos investir na educação,/ vamos cultuar o nosso povo,/ vamos
comparar essa falsa cultura/ com a Questão de Valores de muita gente./ Vamos
ver o nível cultural de nossa televisão/ com alguns programas medíocres./ Todos
nós temos consciência/ ou não,/ Questão de Valores.
(Este poema faz parte do livro “Trem Fantasma”).
Ouve-se o apito do trem, distante. Idem música “O trem”:
Café com não
Bolacha não
Café com não
Com não
Com não
Brincando de equilíbrio
Nós vamos de mãos dadas
Como duas crianças
Recordando o bom viver
Piuí-piuí, este eco
Está na lembrança
Saíamos da linha
Para ver o trem passar...
Trem do norte
Trem do centro
Trem do sul
Café com pão
Bolacha não, com não, com não...
Trem & Trens
Trem & Trens (Piuí)
Trem da Asa Branca (Fortaleza)
Trem da Festa da Pitomba (Prazeres)
Trem do Forró (Caruaru)
Trem do Arraial (Casa Amarela)
Trem da Alegria
Trem da Dívida
Trem dos Puxa-sacos
Trem dos Corruptos
Trem dos Crocodilos...
Trem & Trens (Piuí)
Café com não
Bolacha não
Com não, com não, com não...
Piuí-piuí...
(Baseado do livro “Trem & Trens”).
Bolacha não
Café com não
Com não
Com não
Brincando de equilíbrio
Nós vamos de mãos dadas
Como duas crianças
Recordando o bom viver
Piuí-piuí, este eco
Está na lembrança
Saíamos da linha
Para ver o trem passar...
Trem do norte
Trem do centro
Trem do sul
Café com pão
Bolacha não, com não, com não...
Trem & Trens
Trem & Trens (Piuí)
Trem da Asa Branca (Fortaleza)
Trem da Festa da Pitomba (Prazeres)
Trem do Forró (Caruaru)
Trem do Arraial (Casa Amarela)
Trem da Alegria
Trem da Dívida
Trem dos Puxa-sacos
Trem dos Corruptos
Trem dos Crocodilos...
Trem & Trens (Piuí)
Café com não
Bolacha não
Com não, com não, com não...
Piuí-piuí...
(Baseado do livro “Trem & Trens”).
JANE (Otimista,
aos jovens) – Estou gostando muito da peça ser poética e musical.
BERENICE ( Admirada) – Sinceramente, essa experiência
de poesia e música em teatro, para mim está sendo novidade.
JANE (Carinhosamente)
- É antiga, Beré! Nós estamos viajando no trem da vida.
Vozearia
Silêncio
Ouve-se voz masculina:
Os trilhos enferrujavam nos dormentes porque por lá não
passavam mais trens. A estação havia fechado para construção de uma avenida.
Era o progresso. Ficara só na lembrança aquele movimento de trens de
passageiro, carga, tropa do Exército, manobras, manutenção e limpeza de vagões
e reabastecimento das locos-escoteiras.
Os meninos sentiam saudades das “morcegadas” (pulos
que davam para pegar o trem, troles, ou nos limpa-trilhos das
locomotivas-escoteiras em movimento). Luiz Carlos começou a reivindicar, junto
aos ferroviários, através de abaixo-assinados, o que mais tarde serviria para
agravar sua situação, com diversas perseguições...
(Trecho extraído do livro “O ferroviário”).
Ouve-se voz feminina:
EU QUERO DAR UM CONSELHO
A QUEM QUISER TOMAR:
QUEM QUISER VIVER NO MUNDO
HÁ DE OUVIR, VER E CALAR
(Do folclore brasileiro)
Falta energia e a cena fica às escuras. Pequena
pausa. Chega energia.
JOVEM 3 – Já estou até gostando desta interferência.
Para o meu curso é importante.
Levantam-se e saem rindo, conversando em segredo.
Vozes inaudíveis.
Musica “O trem”.
JANE - Luiz Carlos chegava em casa sempre embriagado.
Já trêmulo, vocês não viram? Não tinha mais forças. Sua morte caminhava lenta.E
o futuro carnaval que pensava em brincar à sua maneira, foi a do “suicídio
lento”, sufocando-se na bebida e no fumo.
BERENICE ( Comovida) – Ele sofreu muito, chegou a
hora de desembarcar. Jovens e idosos prosseguem nesse trem da vida e em alguma
estação desceremos.
CORRE O PANO
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