Cemitério dos Vivos
* Por José Calvino de Andrade Lima
“Em razão da Lei Municipal nº 17.800/12 de
Recife, informamos que: ‘Fica proibida a entrada de clientes e funcionários em
agências bancárias portando aparelho celular.’”
A lei municipal acima despertou em
Azambujanra uma revolta ao lembrar de quando ele esteve recolhido a quartéis, com
direito a “prisão especial”, por ser diplomado em curso superior. Ao ser
decretada a prisão preventiva que perdurou por um ano, o juiz denegou o pedido de revogação da custódia provisória, apegando-se a anterior denegação de
Hábeas-Corpus, impetrado ao Tribunal de Justiça. Como o juiz insistiu em não relaxar a prisão preventiva decretada, que se estendeu por prazo muito superior
ao estabelecido em lei, Azambujanra solicitou sua transferência para um
presídio comum. Até porque, nos quartéis da Polícia Militar é proibida visita
conjugal, horrível até para os próprios militares.
“Cemitério dos Vivos”, denominação utilizada pelo meu companheiro de ideologia e de sofrimento, vítima de uma onda de grande
marginalização no Grande Recife. O uso freqüente de drogas (incluindo bebidas
alcoólicas, uma das mazelas que é oficializada) permite uma decadência no
ambiente em que habita, afetando assim a vida de toda família. Sendo isso decorrente da miséria social na qual os
habitantes passam fome, desemprego...
O uso das drogas já está tão desrespeitoso,
que Azambujanra chegou a advertir a um casal de maconheiros, que juntamente com
mais outros jovens inexperientes, faziam uso do cigarro. Tentando adverti-los,
foi ridicularizado pelos jovens viciados. Psicologicamente o meu amigo ficou
abalado, pois o assassinato de um dos rapazes no mesmo local onde houve um
assalto deixou um questionamento na opinião pública, e talvez por não terem como
agir, e ao que tudo indica, teriam sido eles (os assaltantes) os praticantes de
tal ato, acharam por bem incluir Azambujanra como suspeito. Justificativa:
porque estava envolvido num processo que há anos atrás, quando houve um
tiroteio na Vila entre Azambujanra e um
sargento da polícia. Julgado na Auditoria Militar pelo Conselho Permanente de
Justiça do Estado, eu assisti a sua absolvição. No processo constava que o
sargento estava numa moto e que não poderia ter atirado, ficando assim como
vítima e Azambujanra como réu. Então, para provar que realmente houve o
tiroteio, o advogado de defesa tirou do bolso do paletó recortes de jornal e
revista e os leu em voz alta:
“... A
agencia oficial de notícias Iraniana PARS disse que Jalali Khomeíny, religioso
que chefia a Polícia Revolucionária, escapou ileso de um atentado ontem de
motociclistas armados...” e no do jornal: “ Esta semana assisti uma cena de
violência que me chocou bastante. Dois rapazes passaram numa moto e um deles
trazia na mão um chicote que aplicou nas costas de um rapaz com tanta violência
que lembrava uma cena de escravatura. Após o golpe saíram rindo e o rapaz
chicoteado se contorcia em dores e sangue. À distância desfilava garbosamente
nossa polícia montada...” “No desfile militar de 7 de Setembro, grupamento de
Motociclistas da Polícia Militar... acrobacias dos militares arrancaram
aplausos do público...” a leitura acabou emocionando o Juiz Auditor da Justiça Militar do Estado, corpo de jurados e a todos os presentes.
Azambujanra saiu do “Cemitério dos Vivos”,
ganhou a liberdade e pede para que as autoridades ofereçam oportunidade para
que o preso produza alguma coisa e melhore suas condições de vida. Não é
admissível que a população carcerária seja tratada da maneira como vem sendo.
Já foi comprovada a situação irremediavelmente caótica do sistema carcerário
brasileiro. Lugar onde deveria existir, no máximo, 1.400 encarcerados, abriga
cerca de 3.600 presos, geralmente pessoas pobres e analfabetas. A comida é
cozinhada pelos próprios presos. A justiça, por exemplo, não soluciona de vez
as injustiças sociais. A assistência jurídica é por demais deficiente. Para
tentar combater o banditismo no Brasil certos tipos de prisão não corrige a
pessoa socialmente e dão uma grande despesa para o Estado na manutenção de
presos, exceto aos verdadeiros criminosos, que vivem sob o véu da impunidade. Não
é preciso maltratar os presidiários, violando correspondência ou utilizando
abusivamente comunicação telefônica dirigida a terceiros. A meu ver, isto tudo
é um ato contrário aos direitos humanos. Grham Bell inventou o telefone sem
preconceito e discriminação. Será que é crime um preso ler, escrever, ouvir
rádio, assistir a TV, telefonar ou possuir um celular?
(Trecho publicado na Folha de
Pernambuco/2003).
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