quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Boemia do Recife de antigamente


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Boemia do Recife de antigamente
Por José Calvino 
Nos anos 50/60 a vida noturna no bairro do Recife era nos bordéis, numa área popularmente conhecida como Zona (baixo meretrício), assim chamada por se tratar de uma zona portuária. Lá existiam as famosas pensões Moulin Rouge, Chantecler, Astória, Lupanar da Miryan, Maria Magra, Silver Star, Adília, Califórnia, Bagdá, Atenas, Baiana, BBB (alguns chamavam ironicamente de BBC – British Broadcasting Corporation). Numa das BBB havia na parede o néon em desenho de uma ponte simbolizando a cidade do Recife (pp 35, 40 e 41 do livro de minha autoria “O Pai do Chupa”). Os bares mais freqüentados na época eram Duas Américas; OK; Gambrinus; Royal; Texas Bar; São Francisco; Astória; Bar 28 (Pouca gente sabe que "28" era o número do carregador de malas Antônio Cândido, que fundou o "Scotch Bar", com as facilidades aduaneiras) e o Scotch Bar, que em seu tempo áureo era freqüentado por marinheiros de todas bandeiras, poetas, boêmios e damas da zona.

Como disse Gilberto Freyre: “Foi em meados do século passado que se acentuou sobre nós, sob a forma de atriz ou cômica de teatro, em geral italianas, espanholas ou francesas, a figura da prostituta de luxo”. Algumas polacas residiam em casas isoladas, outras em hotéis caros, passaram a rodar pelas ruas em luzidos carros de capota arriada, com cocheiro e lacaio, onde ostentavam vestidos, chapéus e sapatos da última moda. Acabaram, por esse modo, influindo sobre a maneira de trajar das mulheres honestas. (sic) Consuelo Uhles e Elvira Gueidas, mais mundanas que atrizes, estimularam ardor sexual de grupos rivais, com suas cançonetes, degenerando o espetáculo em canalhice (as senhoras de boa família que se cuidassem).

Mas nem tudo vinha da Europa. Na Rua das Flores, por exemplo, entre as mulheres mais cobiçadas de suas pensões, havia Creusa, uma brasileira cheia de dengos. Chamavam-na de “Dama das Camélias”. Embora sem a carruagem e o luxo de Margarita, de Alexandre Dumas, pela sua graça, seu encanto e seus chamegos, era a preferida dos “estreantes” no amor.

Mas, a boemia não tem apenas locais tem, principalmente, seus protagonistas. Quem já não ouviu falar de Hugo Gonçalves Ferreira?, carinhosamente, Hugo da Peixa. Uma bela tarde, Hugo da Peixa acompanhado de duas mulheres, foi visitar um lugar freqüentado pelos figurões da cidade (Era visitado também por Ascenso Ferreira e Antônio Maria). Chegando lá, um imbecil lhe disse: “Doutor Hugo, essas mulheres são suspeitas” – “Não, são duas putas. Suspeitas são essas que estão com vocês”, respondeu Hugo.

Convém ressaltar que esses boêmios não faziam parte da onda de nouveau riche; não, muito pelo contrário, todos foram de boa origem. Hugo, por exemplo, era oriundo da alta aristocracia canavieira, filho de usineiro, um boêmio total criativo de índole pacífica, bonachão, solidário, um bon vivant. Na atmosfera social em que viveu, severa, terrível, inquisitiva, ele, desleado de todo convencionalismo, deixava-se ficar airosamente, horas a fio degustando sua Teutônia, cerveja bem geladinha, na calçada, bem às vistas, no então Maxime’s, no Pina. Certa feita, foi terminar uma farra em Salvador (Bahia), com uns seis acompanhantes, todos por sua conta, hospedagem, comida, bebidas, mulheres... dinheiro; naturalmente, no melhor da festa faltou-lhe numerário. Incontinenti, vendeu o Packard de luxo e despachou o motorista para o Recife, pegando mais dinheiro e outro carro. Hugo herdou duas usinas que foram consumidas por suas farras perdulárias. Dizem que nas suas contas os garçons incluíam até a data, mesmo recebendo régias gorjetas. Assim era o Recife de antigamente.

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