As paisagens do Morro da Conceição
Por José Calvino
Por José Calvino
Domingo (16 de dezembro), no Morro da Conceição, houve uma discussão com alguns colegas jovens sobre o rio Capibaribe. Segundo disseram, eles foram informados de que antigamente se avistava do Morro o referido rio. Procurei explicar que, geograficamente, não tem lógica avistar o rio Capibaribe do Morro, porque ele fica muito distante e escondido pelos verdes manguezais. Com certeza não dava pra ver, nem naquele tempo, nem tampouco agora, com a derrubada das árvores, que são protetoras naturais e com essas construções de “espigões” desordenados.
Com base nesses comentários, achei por bem escrever em forma de crônica, servindo bem a duas memórias, acredito eu: a do Morro e a de uma geração de jovens estudantes, que vivem uma realidade completamente diferente dos da velha guarda contemporâneos.
Terça-feira (18 de dezembro), no Morro da Conceição, conversei com alguns antigos moradores da redondeza e do Morro. Todos foram unânimes em concordar comigo: – Antônio Beltrão, conhecido por seu Toinho (94 anos) – dona Blandina (92 anos) parteira, eu nasci pelas suas mãos – Leônidas (82 anos) - Marcelo e Teotônio Filho, amigos de infância (72/73 anos, respectivamente) e Severina Paiva, mais conhecida como dona Sevi, é moradora do Morro há 75 anos foi homenageada na 108ª festa de Nossa Senhora da Conceição, escreveu um livro “Aos pés da santa: a história de um povo”, edição 2012, que conta a história da localidade. Muitos relatos são de pessoas do Morro da Conceição.
Agora, quando leio dona Sevi falando do Morro, seus habitantes, etc, me sinto novamente um menino do Morro e lembro bem do tempo de minha infância, um tempo que não volta mais. Brincadeiras de bola de gude, empinar ‘papagaios’, pega, jogar pião, de bodoque, de índio, bola de meia... pastoris e mamulengos.
O pastoril foi, para mim, o melhor do mundo. O cordão azul era comandado por Almir e o vermelho, por Zé Bicuda (falecido). A Diana: “Sou a Diana, não tenho partido/ O meu partido são os dois cordões...”, todos filhos de Zé Talhador (falecido). As pastoras eram de outras famílias. Dona Cosma era uma das rezadeiras do Morro, benzia olhado, espinhela caída, peito aberto...
Por coincidência comentei que, antigamente, contemplava a paisagem e os contrastes da Zona Norte, os bairros, seus morros e córregos. O mar, concordado por dona Sevi (“Aos pés da santa...”, p.50), quando se viam as embarcações passarem no mar, navios atracados, os trens e os aviões aterrissarem no Ibura (Aeroporto Internacional do Recife/Guararapes), sem contudo ver as pistas de pouso. Alguns confundem com a cheia do rio Capibaribe, que atingiu seriamente a cidade em 1975!
Termino esta crônica com a primeira estrofe do poema de João Cabral de Melo Neto, “Discurso do Capibaribe”:
“Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele”.
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