segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Santo que morreu nas correntezas do Velho Chico



    O Santo que morreu nas correntezas do Velho Chico

    Por José Calvino



Em 1957, freqüentei o Curso de Iniciação ao Cinema, promovido pelo Centro de Orientação Cinematográfica. Relendo sobre a responsabilidade dos diretores do cinema, um trabalho que é árduo, pois dele todos da equipe esperam segurança, tanto na escolha dos planos como na condução da filmagem, tecnicamente falando. Ele deve saber até onde vão suas limitações técnicas e possibilidades com os equipamentos disponíveis, para que não peça coisas impossíveis... Por exemplo: no filme “Os brutos também amam”, com Alan Ladd, para fazer o papel o diretor recorreu a uma tapa no rosto do ator para que ele encenasse bem o personagem de bruto.

Quem conheceu o dramaturgo Ariano Suassuna, sabe que ele recusou os Prêmios Shell e Sharp. Entretanto, aceitou as exigências do então diretor da Rede Globo José Bonifácio o “Boni”.

A morte de Domingos Montagner, o intérprete de Santo, nas correntezas do Rio São Francisco é um caso a se analisar. Na ficção, tudo aconteceu pelas águas do Velho Chico. Mas, no dia 15 de setembro, em Sergipe, aconteceu na vida real o mesmo com o intérprete de Santo, que ficou desaparecido no Velho Chico após um mergulho durante as gravações finais da trama, seu corpo foi encontrado preso nas pedras (sic). Pois as águas que o levaram e o trouxeram de volta na ficção, não fizeram o mesmo na vida real. E foi assim que Domingos morreu nas correntezas do Velho Chico.





terça-feira, 13 de setembro de 2016

"Sua Excelência, o Povo"



“Sua Excelência, o Povo”
Por José Calvino


Certamente, a ministra Cármen Lúcia, que atualmente assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), com o discurso de que a atuação do Judiciário anda aquém das necessidades da população, tem razão. O protocolo orienta começar os cumprimentos pela mais elevada autoridade presente. A ministra iniciou o discurso, ao que tudo indica tenha lido o parágrafo único do Art. 1º da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce  por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Com certeza, a V.Exa há de sentir a minha sinceridade ao entender esta crônica   quando  concordo em número, gênero e grau com o que Dilma Carrasqueira e Azambujanra sempre  dizem: Nos outros governos, principalmente nas ditaduras Vargas, ou Estado Novo e Militar, os regimes eram apoiados pelas classes médias e por amplos setores das burguesias e  essas mesmas ditaduras regiam uma polícia que agia segundo os regimes, não respeitando a cidadania da ingente maioria do povo brasileiro (não houve prisões de amigos milionários e autoridades). A Justiça sempre foi conivente porque sempre envolvia como beneficiários os poderosos (grupos empresariais). Cadê o “sem preconceito de raça, cor ou credo”, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, constituído em 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos? O nosso povo não tem o hábito de ler e relembro sempre que, até hoje, nenhum governo investiu decentemente na educação, saúde e emprego digno, resultando disso um povo alienado, que não lê sequer jornal.

Mais uma vez relembro que os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) há anos estão corrompidos e que os cidadãos estão reféns dos desmandos de quem deveria defender seus direitos. O Ministério Público, por exemplo, não vejo até agora resolver nada que o cidadão manifesta contra o descumprimento  das leis e das “pequenas”  corrupções por parte dos governos Federal, Estadual e Municipal. O que dirá das “grandes” corrupções por parte das grandes empresas e governo.



segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Ah, os menosprezos!




Ah, os menosprezos!



No Morro o calor era grande. Chuviscava e, de vez em quando, ventava. À observação de minha companheira, a quem chamavam de Conceição, perguntando se estava ouvindo “Conceição”, na voz de Cauby, não consegui responder. Fiquei calado por alguns minutos, até que uma sua amiga com voz alta recitou melodiando “Viver Morro”. Ouviu-se de pronto uns tiros de arma de fogo e gritos.
- Minha Nossa Senhora! – exclamou Conceição, ferida. – Não é bala perdida!
A sua amiga continuou recitando “Balas perdidas”:
Balas perdidas,/ Polícia ou Favela?// A maioria das vítimas é gente humilde e trabalhadora...
Do Morro, eu gostava de ver da janela gradeada do botequim da Mira, a linda paisagem. Do lado de fora, uma ambulância esperava. Subimos para o socorro de urgência e, com a sirene ligada a todo volume, descemos o Morro pela contramão até o Hospital da Restauração. No leito do hospital ela dormiu e sonhou, alguns, que se tornaram realidade na vida:
“Com a chegada do Natal, os poderosos conseguem fazer um festival de hipocrisia, aos quatro cantos do planeta, com festividades gigantescas... Mandam mensagens natalinas e cristãs... Bilhões de dólares são derramados com gastos militares, apesar da miséria absoluta dos países latinos e africanos...”
“- Morri! – pensou, mas no mesmo instante se via ora sentada, ora de cócoras. As luzes das janelas dos edifícios, para Conceição eram como as das favelas, tão distantes. Ela ouvia vários intermitentes sirenes das viaturas das polícias Civil e Militar abertas e buzinando descontroladamente, com luzes vermelhas e azuis enfileiradas nas duas subidas do Morro. As escadarias, cheias de imundícies: merda, lixo, vômitos... um homem louco, ora parecido com um padre, ora parecido com um militar.
Como padre: ‘ Em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo, amém...’.
Como militar: ‘ Todos ladrões, assassinos, bandidos, vagabundos, todos, todos... o lugar é na cadeia.’
Sobem as escadarias vários padres, militares, mendigos, operários, catadores de lixo, prostitutas, cegos tateando, todos pisando nos dejetos, vômitos, alguns caindo de escadaria abaixo... Vozes: ‘É um inferno!’”
Como era de costume, os jovens conversavam entre si. Na Era do Rádio ouvia-se muito na voz de Dalva de Oliveira, a música de Herivelto Martins: “Se o doutor subir lá na favela/ vai ver coisas de cortar o coração/ barracos caindo/ crianças chorando/ pedindo pedaço de pão”. E ainda: “Barracão de zinco/ pendurado lá no morro/ pedindo socorro/ lá no céu...” As autoridades nunca olharam e nem subiram os morros durante décadas, e hoje o que vemos? Aonde iremos nós?
Ouve-se “Conceição”, na voz de Cauby:
“Conceição/ Eu me lembro muito bem/ Vivia no morro a sonhar/ Com coisas que o morro não tem... Se subiu/ Ninguém sabe, ninguém viu/ Pois hoje o seu nome mudou/ E estranhos caminhos pisou...”
Muitas vezes perguntei a mim mesmo, como é possível aos moradores do Morro como Conceição suportarem os menosprezos daquela vida? Certa vez, eu a fiz dizer o porque de querer mudar seu nome.
A maioria dos jovens, após ouvirem “Conceição”, ficam a imaginar como será a vida no Morro.
- Por onde anda Avagina?
- Se mudou e nunca mais voltou.
- Dizem que está no Rio, e mudou de nome. Se fosse erro de grafia não precisava de advogado...
O seu pai assistia filmes o tempo todo. Chamavam-no de “mago-da-tela”, porque ele sabia os nomes dos artistas de cinema de cor: Marlon Brando, Humprhey Bogart, Cornel Wilde, Victor Mature, John Wayne, Robert Taylor, Alan Ladd, Gare Cooper, Errol Flynn, Tyrone Power, Gregory Peck, Paul Newman, Charlton Heston, Burt Lancaster, Arturo de Córdova... Marilyn Monroe, Sofia Loren, Elisabeth Taylor, Grace Kelly, Dorothy Lamour, Ingrid Bergman, Greta Garbo, Ava Gardener e Gina Lolobrígida... E foi em homenagem às artistas de cinema Ava Gardener e Gina Lolobrígida, que seu pai registro-a em cartório como Avagina. Ava, de Ava Gardner e Gina, de Gina Lolobrígida.
(Risos)
- Estão dizendo que ela é candidata a deputada federal...
- Avagina – Avagina – diziam em coro – Avagina...
Nota: O final desse texto foi extraído do livro: “Drogas & Crimes”- Capítulos XVII, pp. 52-3 e XXIII, p. 86.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

STF: querendo aparecer


STF: querendo aparecer

 Por José Calvino


Me tire daqui, eu tenho direito a prisão especial. Quero a presença do meu advogado, urgente! Os meus direitos estão sendo desrespeitados – disse revoltado um preso de justiça no Regimento de Cavalaria Dias Cardoso da Polícia Militar.
- Preso é preso, já viu preso cheio de direito? – repreendeu o sentinela com o mosquetão nos ombros.

O major sub comandante do Regimento, tomando conhecimento, ordenou ao oficial de dia a retirada  do preso do xadrez e o uso do telefone da guarda (extensão telefônica). Perfilando-se e dando continência, o oficial deu meia volta e retirou-se do recinto do comando. O major manda o sargento comandante da guarda providenciar a placa já escrito PRISÃO ESPECIAL, para casos de reclamações de advogados. Foi chamado às pressas o coronel comandante  por ser formado em direito para atender o advogado que estava irritado com o tratamento dado ao seu constituinte.

- Coronel, o meu constituinte é médico e tem direito a prisão especial.
- Vamos lá, doutor! – disse calmamente o coronel comandante.

Mostrando a placa ao advogado daquela “prisão especial”, o mesmo já mais calmo resolveu solicitar a transferência do médico para um presídio comum. Até porque, nos quartéis da Polícia Militar é proibida visita conjugal, horrível até para os próprios militares. Naquele Esquadrão de Cavalaria  houve uma fuga,   muito criticada por sinal, do engenheiro Zaratine, também do ex-major José Ferreira. As críticas eram dirigidas tanto à Polícia Militar quanto ao Governo de então.

A frase que dá o título a esta crônica é óbvia. A prisão dos condenados no processo do Mensalão na véspera do feriado de 15 de novembro, proclamação da república? Isso, a meu ver, é querer aparecer,  só um imbecil que não tem consciência do que se mostra pela imprensa escrita, falada e televisada. O STF já vinha sendo visto pelo público televisivo como uma casa de espetáculos no período do julgamento.

Os presos do semiaberto dormem em colchões no chão, não têm privacidade nas celas, mas um buraco apelidado de “boi”, no qual se colocava um pote de plástico com areia para não sair o mal cheiro. Sentindo-se humilhado e, para não fazer as necessidades fisiológicas no “boi”, o médico por ter problemas cardíacos e formação de nível superior, foi transferido  para a enfermaria do presídio, sempre algemado em cada deslocamento e, lá, veio a óbito. Como existem muitos presos com prisões ilegais, cadê os direitos humanos? Eles, coitados, não têm um poder aquisitivo para se defender contratando advogado, pois os de ofício do Estado não vão à cadeia impetrar “habeas corpus” questionáveis. A que ponto chegou este país!

O eminente professor e advogado Roque de Brito Alves, em seu artigo “A prisão e outros temas”, publicado no Diário de Pernambuco, 20/11/13, adianta: “Enquanto as estatísticas ultimamente  publicadas revelam a situação lamentável do nosso sistema penitenciário, a começar pela superpopulação carcerária (cerca de 520 mil enquanto somente comportaria 380 mil presos), inclusive com o número expressivo de presos provisórios (cerca de 38%), ainda não julgados e detidos por mais tempo do que permite a lei, com aproximação do ano eleitoral de 2014 voltam senadores e deputados ao debate de projetos que reduzem a maioridade penal para 16 anos (...). Enquanto no Brasil em 2012 foram praticados mais de 47 mil homicídios e a sua população carcerária era de mais de 520 mil presos, na Dinamarca foram praticados somente 3 (três) delitos de homicídio e a Suécia agora em novembro de 2013 ‘fechou’, desativou 3 (três) grandes penitenciárias por falta de criminosos... fatos que por si mesmos dispensam qualquer comentário...”.